Capítulo 1
1O
Dois textos apócrifos constituem o Evangelho de Nicodemus: Atos de Pilatos e Descida
de Cristo ao Inferno. Em é seqüência do outro e o completa, embora escritos em épocas
diferentes.
2Justino, em 150, menciona em seus escritos um texto chamado Atos de Pôncio
Pilatos, narrando os acontecimentos posteriores à Crucificação.
Nicodemus narra os episódios da Crucificação e da Ressurreição, mas nada acrescenta
aos Evangelhos canônicos.
3Curioso é observar que ele cita o local da Crucificação como
sendo o horto onde Cristo foi aprisionado, o Getsêmani, situado ao pé do Monte das
Oliveiras.
4 Eu, Ananias, protetor, de hierarquia pretoriana, perito em leis, vim através das divinas
Escrituras tomar conhecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo e me aproximei dele pela fé, e
permiti-me receber o santo batismo; agora sinto-me, depois de seguir a pista das narrações
relativas a Nosso Senhor Jesus Cristo, que foram feitas naquela época, e que os judeus
deixaram guardadas com Pôncio Pilatos; encontrei-as com estavam, escritas em hebraico, e
com o beneplácito divino traduzi-as para o grego, para o conhecimento de todos os que
invocam o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, durante o reinado de Flávio Teodósio,
nosso senhor, no ano 17, e sexto de Flávio Valentino, na nona indicação.
5Todos, pois, quantos leiam e traduzam isto para outros livros, lembrem- se e peçam por
mim para que o Senhor seja piedoso para comigo e me perdoe os pecados que cometi
contra ele.
Paz aos leitores, aos ouvintes e aos seus servidores. Amém.
No ano décimo quinto do governo de Tibério César, imperador dos romanos; no ano
décimo nono do governo de Herodes, rei da Galiléia; no oitavo dia das calendas de abril,
correspondente ao dia 25 de março; durante o consulado de Rufo e Rubelião; no quarto ano
da olimpíada 202; sendo, nessa época, José Caifás o sumo sacerdote dos judeus. Tudo o
que Nicodemus narrou com base no tormento da cruz e da paixão do Senhor, transmitiu-o
aos príncipes dos sacerdotes e aos demais judeus depois de havê-lo redigido ele mesmo em
hebraico.
6Depois de se haverem reunido em conselho os príncipes dos sacerdotes e os escribas,
Anás e Caifás e Semes e Dothaim e Gamaliel, Judas, Levi e Neftali, Alexandre e Jairo e os
restantes dentre os judeus apresentaram-se diante de Pilatos acusando Jesus de muitos
feitos, dizendo: "Sabemos que ele é filho de José o carpinteiro e que nasceu de Maria, e
chama-se a si mesmo Filho de Deus e rei; além disso profana o sábado e ainda pretende
abolir a lei de nossos pais". Disse-lhes Pilatos: "E o que ele faz e o que ele pretende
abolir?"
7Os judeus disseram: "Temos uma lei que proíbe a cura no Sabat; pois bem, este,
servindo-se das más artes, curou durante o Sabat coxos, machucados, cegos, paralíticos,
surdos e endemoninhados".
8Disse-lhes Pilatos: "Se realiza honestamente suas curas, não faz
mal algum." Os judeus replicaram: "Se realizasse suas curas honestamente, não seria mal
maior; mas para fazê-las usa a virtude de Belzebu, príncipe dos demônios, expulsa a estes e
a todos que lhes são submissos".
9Disse-lhes Pilatos: "Isto não é tirar os demônios pela
virtude de um espírito imundo, mas sim pela virtude do deus Esculápio".
Os judeus disseram a Pilatos: "Rogamos à tua autoridade que ele seja apresentado
diante do teu tribunal para que possa ser ouvido". Pilatos então chamou-os e disse-lhes:
10"Dizei-me vós como é que eu, um mero governador, posso submeter nada menos que um
rei a interrogatório?" Eles responderam: "Nós não dissemos que é um rei, mas sim que ele
mesmo se dá esse título". Então Pilatos chamou o mensageiro para dizer-lhe: "Que me seja
apresentado aqui Jesus, com toda a deferência".
11O mensageiro saiu, então, e logo que
identificou, o adorou; depois tirou o manto que levava em suas mãos e estendeu-o no chão,
dizendo: "Senhor, passa por cima e entra, que o governador te chama".
Capítulo 2
1
Os judeus, vendo o
que o mensageiro havia feito, puseram-se a gritar contra Pilatos, dizendo: "Por que te
serviste de um mensageiro para fazê-lo entrar, e não de um simples pregoeiro? Sabes que o
mensageiro, assim que o viu, passou a adorá-lo e estendeu seu manto sobre o chão,
fazendo-o caminhar por cima como se fosse um rei?"
2Pilatos, então, chamou o mensageiro e lhe disse: "Por que fizeste isso e estendeste o
manto sobre o chão, fazendo Jesus passar por cima?" O mensageiro respondeu: "Senhor
governador, quando me enviaste a Jerusalém junto com Alexandre eu o vi montando um
burro, e os filhos dos hebreus iam aclamando-o com ramos nas mãos, enquanto outros
estendiam suas vestes no chão dizendo: "Salva-nos, tu que estás nas alturas; bendito o que
vem em nome do Senhor'."
3Os judeus então começaram a gritar e disseram ao mensageiro: "Os jovens hebreus
clamavam em sua língua, como então informaste da sua equivalência em grego?" O
mensageiro respondeu: "Perguntei a um dos judeus e lhe disse: "Que estão gritando em
hebraico?' E ele traduziu".
4Pilatos disse-lhes: "Como soa em hebraico o que eles diziam em
altos brados?" Os judeus responderam: "Hosanna membrome; baruchamma; adonai".
Então Pilatos lhes disse: "E o que significa Hosanna e as outras palavras?" Os judeus
responderam: "Salva-nos, tu que estás nas alturas; bendito o que vem em nome do Senhor".
5Pilatos disse-lhes: "Se vós mesmos dais testemunho das vozes que saíram da boca dos
jovens, que falta cometeu o mensageiro?" Eles se calaram. Então o governador disse ao
mensageiro: "Sai e faze-o entrar da maneira que lhe aprouver". Saiu, então, o mensageiro e
procedeu da mesma maneira que anteriormente, dizendo a Jesus: "Senhor, entra; o
governador te chama".
6Mas no momento em que Jesus entrava, os que seguravam os estandartes inclinaram-se
e adoraram a Jesus. Os judeus que presenciaram esse gesto de reverência e adoração a
Jesus, começaram a gritar desaforos contra os que portavam as bandeiras.
7Mas Pilatos lhes
disse: "Não vos causa admiração ver como eles se inclinaram e adoraram Jesus?" Os judeus
responderam a Pilatos: "Nós mesmos vimos como eles se inclinaram e o adoraram". O
governador chamou então os que carregavam as bandeiras e lhes disse: "Por que agistes
assim?"
8Eles responderam a Pilatos: "Nós somos gregos e servidores das divindades, como
então iríamos adorá-lo? Saibas que, enquanto estávamos eretos, nossos corpos se
inclinaram por eles mesmos e o adoraram".
Então Pilatos disse aos arquissinagogos e anciãos do povo:
9"Escolhei vós mesmos
alguns varões fortes e robustos; que eles segurem os estandartes e vejamos se estes
inclinam-se sozinhos: "Então os anciãos escolheram de entre os judeus doze homens fortes
e robustos, aos quais obrigaram a sustentar os estandartes em grupos de seis, e ficaram em
pé diante do tribunal do governador.
10Então Pilatos disse ao mensageiro: "Leva-o para fora
do pretório e introduze-o novamente da maneira que te aprouver". E Jesus saiu do pretório
acompanhado do mensageiro. Pilatos chamou então aqueles que anteriormente estavam
com os estandartes e lhes disse: "Jurei pela saúde de César que, se os estandartes não se
dobrarem à entrada de Jesus, cortar-vos-ei as cabeças".
11E o governador ordenou novamente
que Jesus entrasse. O mensageiro observou a mesma conduta do início e rogou encarecidamente a Jesus que passasse por cima de seu manto. E caminhando sobre ele,
entrou. Mas no momento de entrar, novamente os estandartes se dobraram e adoraram
Jesus.
12Quando Pilatos viu a cena, encheu-se de medo e dispôs-se a deixar o tribunal. Mas
enquanto ainda pensava em levantar-se, sua mulher enviou-lhe esta carta: "Não te envolvas
com esse justo, pois durante a noite sofri muito por sua causa". Então Pilatos chamou todos
os judeus e lhes disse: "Sabeis que minha mulher é piedosa e que tende mais para o bem do
que para segui-los em vossos costumes judeus?" Eles disseram: "Sim, sabemos".
Capítulo 3
1Pilatos
disse-lhes: "Pois bem, minha mulher acaba de enviar-me este recado: "Não te envolvas com
esse justo, pois durante a noite sofri muito por sua causa'." Mas os judeus responderam a
Pilatos dizendo: "Não te dissemos que é um mágico? Sem dúvida enviou um sono
fantástico a tua mulher".
2Pilatos então chamou Jesus e lhe disse: "Como é que estes testemunham contra ti? Não
dizes nada?" Jesus respondeu: "Se não tivessem pode para isso, não diriam nada, pois cada
um é dono da sua boca para falar coisas boas e más: eles verão".
3Mas os anciãos dos judeus responderam, dizendo a Jesus: "Que é que nós vamos ver?
Primeiro, que tu vieste ao mundo por fornicação; segundo, que o teu nascimento em Belém
trouxe como conseqüência uma matança de crianças; terceiro, que teu pai José e tua mãe
Maria fugiram para o Egito por encontrarem-se ameaçados na cidade".
4Então, alguns dos que ali estavam presentes, e que eram judeus piedosos, disseram:
"Nós não estamos de acordo que haja de fornicação, mas sim sabemos que José desposou
Maria e que não foi gerado através de fornicação". Pilatos disse aos judeus que afirmavam
a sua origem através de fornicação: "Isto que dizeis não é verdade, posto que os esponsais
foram celebrados, segundo afirmam vossos próprios compatriotas".
5Então Anás e Caifás
disseram a Pilatos: "Todos juntos afirmamos e não cremos que ele tenha nascido de fornicação; estes são prosélitos e seus discípulos". Pilatos chamou Anás e Caifás e disse-
lhes: "Que significa a palavra prosélito?" Eles responderam: "Que nasceram de pais gregos e fizeram-se judeus agora".
6Ao que contestaram os que afirmavam que Jesus não havia
nascido de fornicação (isto é: Lázaro, Astério, Antônio, Tiago, Amnés, Zeras, Samuel,
Isaac, Crispo, Agripa e Judas): "Nós não nascemos prosélitos, mas sim somos filhos de
judeus e dizemos a verdade, pois encontravam-nos presentes nas bodas de José e de Maria".
7Pilatos chamou estes doze que afirmavam não haver Jesus nascido de fornicação e
disse-lhes: "Eu os conjuro pela saúde de César, dizei-me, é verdade o que afirmastes, que
não nasceu de fornicação?" Eles responderam: "Nós temos uma lei que proíbe jurar, porque
é pecado; deixe que estes jurem pela saúde de César que não é verdade o que acabamos de
dizer, e seremos réus de morte".
8Então Pilatos disse a Anás e Caifás: "Nada respondem a
isto?" Eles replicaram: "Tu dás crédito a estes doze que afirmam o nascimento legítimo de
Jesus; enquanto isso, todos, em massa, estamos bradando que é filho de fornicação, que é
feiticeiro e que se chama a si próprio Filho de Deus".
Então Pilatos ordenou que toda a multidão saísse, à exceção dos doze que negavam a
origem da fornicação, e ordenou que Jesus fosse separado.
9Depois lhes disse: "Por que
razão querem dar-lhe a morte?" Eles responderam: "Têm inveja dele por curar no Sabat".
Ao que respondeu Pilatos: "E por uma boa obra querem matá-lo?"
E, cheio de ira, saiu do pretório e disse-lhes: "Tomo por testemunha o sol de que não
encontro nenhuma culpa neste homem". Os judeus responderam e disseram ao governador:
10"Se não fosse um malfeitor, não o haveríamos entregado a ti". E Pilatos disse: "Tomai-o
vós e julgai-o segundo vossas leis". Então os judeus disseram a Pilatos: "Não nos é permitido matar ninguém". Ao que Pilatos contestou: "A vós sim Deus proibiu de matar
mas, e a mim?"
E, entrando de novo no pretório, chamou Jesus à parte e disse-lhe: "És o rei dos
judeus?"
Capítulo 4
1Jesus respondeu: "Dizes isto por conta própria ou pelo que os outros te disseram
de mim?" Pilatos replicou: "Mas será que também sou por acaso judeus? Teu povo e os
pontífices puseram-te em minhas mãos, que fizeste?" Jesus respondeu: "Meu reino não é
deste mundo pois, caso contrário, meus servidores teriam lutado para que eu não fosse
entregue aos judeus; mas o meu reino não é daqui".
2Então Pilatos disse: "Logo, tu és rei?"
Jesus respondeu: "Tu dizes que eu sou rei; pois para isto nasci e vim ao mundo, para que
todo aquele que é da verdade, ouça minha voz". Pilatos disse-lhe: "Que é a verdade?" Jesus
respondeu: "A verdade provém do céu".
3Pilatos disse: "Não há verdade sobre a terra?" E
Jesus respondeu a Pilatos: "Estás vendo que os que dizem a verdade são julgados pelos que
exercem o poder sobre a terra".
E deixando Jesus no interior do pretório, Pilatos foi até os judeus e lhes disse: "Eu não
encontro culpa alguma nele". Os judeus replicaram: "Ele disse: "Eu sou capaz de destruir
este templo e reedificá-lo em três dias.
4Pilatos disse: "Que templo?" Os judeus
responderam: "Aquele edificado por Salomão em quarenta e seis anos, ele diz que vai
destruí-lo e reedificá-lo ao final de três dias". Pilatos disse: "Eu sou inocente do sangue
deste justo; vós vereis". E os judeus disseram: "Seu sangue sobre nós e sobre nossos
filhos".
5Então Pilatos chamou os anciãos, os sacerdotes e os levitas e disse-lhes em segredo:
"Não agi assim, pois nenhuma das vossas acusações merece a morte, já que elas referem-se
às curas e à profanação do Sabat". Os anciãos, sacerdotes e levitas responderam: "Se
alguém blasfema contra César é ou não digno da morte?" Pilatos disse-lhes: "É digno da
morte". Os judeus disseram:
6"Pois se alguém que blasfema contra César é digno da morte,
saiba que este blasfemou contra Deus".
Depois o governador mandou que os judeus saíssem do pretório, e chamando Jesus,
disse-lhe: "Que vou fazer contigo?" Jesus respondeu: "Faz como te foi ordenado".
7Pilatos disse: "E como me foi ordenado?" Jesus respondeu: "Moisés e os profetas falaram sobre a minha morte e sobre a ressurreição". Os judeus e os ouvintes perguntaram então a Pilatos
dizendo:
8"Por que continuas ouvindo essa blasfêmia?" Pilatos respondeu: "Se estas palavras
são blasfêmias, prendei-o por blasfêmia, levai-o à vossa sinagoga e julgai-o segundo vossa
lei". Os judeus contestaram: "Está escrito em nossa lei que se um homem peca contra outro
homem merece receber quarenta açoites menos um; mas diz que se alguém blasfema contra
Deus deve ser apedrejado".
9Pilatos disse-lhes: "Tomai-o por vossa conta e castigai-o como quiserdes". Os judeus
replicaram: "Nós queremos que seja crucificado". Pilatos contestou: "Não merece a
crucificação".
Então o governador lançou um olhar ao seu redor sobre a turba de judeus que estava
presente e, ao ver que muitos deles choravam, exclamou: "Nem toda a multidão quer que
morra".
10Os anciãos dos judeus disseram: "Por isso viemos todos em massa, para que
morra". Pilatos perguntou-lhes: "E por que deverá morrer?" Os judeus responderam:
"Porque chamou-se a si próprio filho de Deus e rei".
Um certo judeu de nome Nicodemus pôs-se diante do governador e disse: "Rogo-te,
bondoso como és, permiti-me dizer umas palavras:
11"Pilatos respondeu: "Fala". E
Nicodemus disse: "Tenho falado nestes termos aos anciãos, aos levitas, à multidão inteira
de Israel reunida na sinagoga: "Que pretendeis fazer com este homem? Ele opera muitos milagres e prodígios como nenhum outro foi nem será capaz de fazer. Deixai-o em paz e
não trameis nada contra ele; se os seus prodígios têm origem divina, permanecerão firmes;
porém, se têm origem humana, dissipar-se-ão.
12Pois também Moisés, quando foi enviado da
parte de Deus ao Egito, fez muitos prodígios, previamente assinalados por Deus, na
presença do Faraó, rei do Egito. E estavam ali alguns homens a serviço do Faraó, Jamnes e
Jambres, os quais operaram, por sua vez, não poucos prodígios como os de Moisés, e os
habitantes do Egito tinham Jamnes e Jambres por deuses.
13Mas como os seus prodígios não
provinham de Deus, eles pereceram, bem como os que lhes davam crédito. E agora, deixai
livre este homem, pois não é digno de morrer'."
Os judeus disseram então a Nicodemus: "Tu te fizeste discípulo dele e por isso falas
em seu favor". Nicodemus disse-lhes: "Mas então também o governador fez-se discípulo
dele porque fala em sua defesa? Não o colocou César neste cargo? Os judeus estavam com
muita raiva e rangiam os dentes contra Nicodemus.
Capítulo 5
1Pilatos disse-lhes: "Por que rangeis os
dentes contra ele ao ouvir a verdade?" Os judeus disseram a Nicodemus: "A ti sua verdade
e sua parte". Nicodemus disse: "Amém, amém, que assim seja como haveis dito".
Mas um dos judeus adiantou-se e pediu a palavra ao governador. Este lhe disse: "Se
queres dizer algo, diz".
2E o judeus assim falou: "Eu estive durante trinta e oito anos deitado
numa liteira, cheio de dores. Quando Jesus veio, muitos dos que estavam endemoninhados
e sujeitos a diversas doenças foram curados por ele. Então alguns jovens compadeceram-se
de mim e, pegando-me com liteira e tudo, levaram-me até ele.
3Jesus, ao ver-me,
compadeceu-se de mim e disse-me: "Pega tua maca e anda'. Eu peguei minha maca e
comecei a andar". Então os judeus disseram a Pilatos: "Pergunta-lhe que dia era quando foi
curado". E o interessado disse: "Era Sabat".
4Os judeus disseram: "Já não te havíamos
informado de que curava no Sabat e tirava demônios?"
Outro judeus adiantou-se e disse: "Eu era cego de nascença, ouvia vozes, mas não via
ninguém, e, ao ver passar Jesus, gritei bem alto: "Filho de Davi, apiedai-te de mim'. E
compadeceu-se de mim, impôs suas mãos sobre os meus olhos e imediatamente recuperei a
visão".
5E outro judeus adiantou-se e disse: "Estava arqueado e endireitou-me com uma
palavra". E outro disse: "Havia contraído lepra e ele curou-me com uma palavra".
E certa mulher chamada Berenice (Verônica) começou a gritar de longe, dizendo:
"Encontrando-me doente com hemorragia, toquei a extremidade de seu manto e a
hemorragia que eu vinha tendo por doze anos consecutivos, parou".
6Os judeus disseram:
"Existe um preceito que proíbe apresentar uma mulher como testemunha".
E alguns outros, muitos homens e mulheres gritavam, dizendo: "Este homem é profeta e
os demônios submetem-se a ele". Pilatos disse aos que afirmavam isto: "Por que também
vossos mestres não se submeteram a ele?" Eles responderam: "Não sabemos".
7Outros
afirmaram que havia ressuscitado Lázaro do sepulcro, defunto já de quarenta dias. Então,
cheio de medo, o governador disse à multidão de judeus: "Por que vos empenhais em
derramar sangue inocente?"
E depois de chamar Nicodemus e aqueles doze homens que afirmavam a origem limpa
de Jesus, disse-lhes: "Que devo fazer, pois está forjando um alvoroço entre o povo?"
8Disseram-lhe: "Nós não sabemos; eles verão". Convocou de novo Pilatos a multidão de
judeus e disse-lhes: "Sabeis que tenho por costume soltar um prisioneiro durante a festa dos
ázimos. Pois bem, está preso e condenado um assassino chamado Barrabás, e tenho
também este Jesus que está agora na vossa presença, e em quem não encontro culpa
alguma.
9A quem quereis que solte?" Eles gritaram: "A Barrabás". Pilatos disse-lhes: "Que
farei, pois, de Jesus, o chamado Cristo?" Os judeus responderam: "Que seja crucificado!"
E alguns dentre eles disseram: "Não és amigo de César se soltas a este, porque chamou-se a
si próprio Filho de Deus e rei; se assim procedes, queres a este por rei e não a César".
Pilatos então, encolerizado, disse aos judeus: "Vossa raça é revoltada por natureza e
enfrentais vossos benfeitores".
Capítulo 6
1Os judeus disseram: "A quais benfeitores?" Pilatos
respondeu: "Vosso Deus tirou-vos do Egito, livrando-vos de uma cruel escravidão; vos
manteve sãos e salvos através do mar bem como através da terra, alimentou-vos com maná
no deserto e deu-vos codornas, deu-vos de beber água tirada de uma rocha e deu-vos uma
lei, e, depois de tudo isso, encolerizastes vosso Deus, fostes atrás de um bezerro fundido,
exasperastes vosso Deus e Ele dispôs-se a exterminar-vos; porém, Moisés intercedeu por
vós e não fostes entregues à morte.
2E agora acusais a mim de odiar o imperador".
E, levantando-se do tribunal, dispôs-se a sair. Mas os judeus começaram a gritar
dizendo: "Nós reconhecemos como rei a César e não a Jesus. E ainda mais, os Magos
vieram oferecer-lhe dons trazidos do Oriente como para o seu rei; e quando Herodes tomou
conhecimento através dessas personagens de que um rei havia nascido, tentou acabar com
ele.
3Mas seu pai José tomou ciência do fato e levou-o juntamente com a mãe, e fugiram
todos para o Egito. E quando Herodes soube disso, exterminou os filhos dos hebreus que
haviam nascido em Belém".
Quando Pilatos ouviu estas palavras, temeu, e depois de impor silêncio às turbas, já
que estavam gritando, disse-lhes: "Então é este aquele a quem Herodes buscava?" Os
judeus responderam: "Sim, é este".
4Então Pilatos pegou água e lavou suas mãos, de frente
para o sol, dizendo: "Sou inocente do sangue deste justo; vós vereis". E novamente os
judeus começaram a gritar: "Seus sangue sobre nós e sobre nossos filhos". Então Pilatos
mandou que fosse corrido o véu do tribunal onde estava sentado e disse a Jesus: "Teu povo
desmentiu-te como rei.
5Por isso decretei que em primeiro lugar sejas flagelado, de acordo
com o antigo costume dos reis piedosos, e que depois sejas dependurado na crus no horto
onde foste aprisionado. E Dimas e Gestas, ambos malfeitores, serão crucificados
juntamente contigo".
6Assim, Jesus saiu do pretório acompanhado dos dois malfeitores. E, em chegando ao
lugar convencionado, despojaram-no de suas vestes, enrolaram-no em um lençol e puseram
uma coroa de espinhos ao redor de suas têmporas. Dependuraram os dois malfeitores, de
maneira semelhante. Enquanto isso, Jesus dizia: "Pai, perdoai-os, porque não sabem o que
fazem".
7E os soldados repartiram entre si as suas vestes, e todo o povo estava em pé
contemplando-o. E os pontífices e também os chefes zombaram dele, dizendo: "Salvou os
outros; salve-se, então, a si próprio; se este é o Filho de Deus, que desça da cruz". Os
soldados, por sua vez, aproximavam-se dirigindo-lhe escárnios e oferecendo-lhe vinagre
misturado com fel, enquanto diziam: "Tu és o rei dos judeus: salva-te a ti mesmo".
8E depois
de proferir a sentença, o governador mandou que na forma de um título fosse escrito em
cima da cruz a sua acusação em grego, latim e hebraico, de acordo com o que os judeus
haviam dito: "Rei dos Judeus".
9E um daqueles ladrões que haviam sido dependurado disse-lhe assim: "Se tu és o
Cristo, salva-te a ti mesmo e a nós". Mas Dimas, em resposta, repreendeu-o dizendo: "Tu
não temes a Deus, ainda que estejas na mesma condenação? E a nós, certamente, ela no
cabe bem, pois recebemos a recompensa justa pelas nossas obras; mas este não fez nada de
mal".
10E dizia: "Senhor, lembra-te de mim no teu reino". E Jesus disse-lhe: "Em verdade,
em verdade te dito que hoje estarás comigo no paraíso".
Era a hora sexta quando as trevas se fecharam sobre a terra até a nona hora, por haver
escurecido o sol; e o véu do templo rasgou-se ao meio. Jesus, então, com voz grave, disse:
11"Pai, baddach efkid ruel", que significa: "Em tuas mãos entrego o meu espírito". E, assim
dizendo, entregou sua alma. O centurião, ao ver o que aconteceu, louvou a Deus dizendo:
"Este homem era justo". E a multidão que assistia ao espetáculo, ao contemplar o
acontecido, passou a bater no peito.
O centurião, por sua vez, transmitiu ao governador o ocorrido. Este, ao ouvi-lo,
entristeceu-se assim como sua mulher, e ambos passaram todo aquele dia sem comer nem
beber.
Capítulo 7
1Depois Pilatos fez chamar os judeus e disse-lhes: "Vistes o que se passou?" Mas eles
responderam: "Foi um simples eclipse do sol, como de costume".
Enquanto isso, seus conhecidos permaneciam a distância; e as mulheres que o haviam
acompanhado desde a Galiléia estavam contemplando tudo isto. Mas havia um homem
chamado José, senador, vindo de Arimatéia, que esperava o reino de Deus.
2Aproximou-se,
então, de Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus. Depois foi baixar o cadáver da cruz e
envolveu-o num lençol limpo e depositou-o no sepulcro talhado em pedra que ainda não
havia sido usado.
Quando os judeus ouviram dizer que José havia reclamado o corpo de Jesus,
começaram a procurá-lo, assim como também aqueles que haviam declarado que Jesus não
havia nascido de fornicação.
3Nicodemus e muitos outros que se haviam apresentado diante
de Pilatos para dar testemunho das suas boas obras. E, como todos se houvessem
escondido, somente Nicodemus apareceu, porque era varão principal entre os judeus.
Assim, Nicodemus disse-lhes: "Como haveis entrado na sinagoga?" Os judeus
responderam: "E tu? Como entraste na sinagoga? Posto que és seu cúmplice, seja também
sua parte contida no século vindouro". E Nicodemus disse: "Assim seja, assim seja".
4José, por sua vez, apresentou-se de maneira semelhante e disse-lhes: "Por que haveis ficado
apreensivos comigo por ter reclamado o corpo de Jesus? Pois sabei que depositei-o no meu
novo sepulcro, depois de havê-lo envolvido num lençol branco, e fiz correr a pedra sobre a
entrada da gruta.
5Mas não vos portastes bem com aquele justo, pois que, não contentes em
crucificá-lo, também o atravessastes com uma lança". Os judeus então detiveram José e
mandaram que fosse aprisionado até o primeiro dia da semana. Depois disseram-lhe: "Bem
sabes que o avançado da hora não nos permite fazer nada contra ti, pois o sábado já está
amanhecendo; mas saiba que nem sequer far-se-á o favor de dar-te sepultura, mas sim
exporemos teu corpo às aves do céu".
6José retrucou: "Esta maneira de falar é a do soberbo
Golias que injuriou o Deus vivo e o santo Davi. Pois o Senhor disse através do profeta: "A
mim corresponde a vingança e eu retribuirei'. E ainda há pouco, aquele que não é
circuncidado segundo a carne, mas é circunciso de coração, tomou água, lavou as mãos de
frente para o sol e disse: "Sou inocente do sangue deste justo; vós havereis de ver'.
7Mas
vós respondestes a Pilatos: "Seu sangue sobre nós e sobre nossos filhos'. Agora, então,
temo que a ira do Senhor recaia sobre vós e sobre vossos filhos, como dissestes". Ao ouvir
essas palavras os judeus sentiram seus corações encherem-se de raiva, e, depois de capturar
José, detiveram-no e prenderam-no em uma casa onde não havia nenhuma janela; depois
selaram a porta onde José estava preso e alguns guardas permaneceram junto dela.
8E no sábado os arquissinagogos, os sacerdotes e os levitas estabeleceram que no dia
seguinte todos deveriam encontrar-se na sinagoga. E bem de madrugada a multidão inteira
pôs-se a deliberar que tipo de morte haveriam de dar-lhe. E estando o conselho reunido,
ordenaram que o fizessem comparecer com grande desonra. E abriram a porta mas não o
encontraram. Então o povo ficou fora de si e todos encheram-se de admiração ao encontrar
os selos intactos e a chave em poder de Caifás. Com isto, não se atreveram a pôr as mãos
sobre aqueles que haviam falado diante de Pilatos em defesa de Jesus.
Capítulo 8
1E enquanto estavam ainda sentados na sinagoga, cheios de admiração pelo caso de José, chegaram alguns dos guardas, aqueles a quem os judeus haviam encomendado a
Pilatos a custódia do sepulcro de Jesus, e disseram que não foram seus discípulos que o
haviam tirado de lá.
2E foram prestar contas aos arquissinagogos, aos sacerdotes e aos
levitas dizendo-lhes o que aconteceu; isto é, como "sobreveio um terremoto e vimos um
anjo que descia do céu, que retirou a pedra da boca da gruta, sentando-se depois sobre ela.
E brilhou como neve e como relâmpago. Com o que nós, cheio de medo, ficamos como
mortos.
3Então ouvimos a voz do anjo que falava às mulheres que se encontravam junto ao
sepulcro: "Não temais, pois sei que buscais a Jesus, o que foi crucificado. Não está aqui;
ressuscitou como havia dito; vinde, vede o lugar onde jazia o Senhor. E agora ide
rapidamente e dizei aos seus discípulos que ressuscitou de entre os mortos e que está na
Galiléia'."
4Os judeus então disseram: "A quais mulheres falava ele?" Os da guarda responderam:
"Não sabemos quem eram ". Os judeus disseram: "A que horas isto aconteceu?" Os da
guarda responderam: "ã meia-noite". Os judeus disseram: "E por que não as detivestes?"
Os da guarda responderam: "Ficamos como mortos pelo medo, não acreditando que
poderíamos ver de novo a luz do dia, como iríamos detê-las?" Os judeus disseram: "Deus
vive e nós não acreditamos".
5Os da guarda não responderam: "Vistes tantos sinais naquele
homem e não acreditastes? Como ireis dar-nos crédito? E, com razão, haveis jurado pela
vida do Senhor, pois Ele também vive". E os da guarda acrescentaram: "Temos ouvido
dizer que prendestes aquele que reclamou o corpo de Jesus, selando a porta, e que ao abri-la
não o encontrastes. Entregai, pois, José e vos entregaremos Jesus".
6Os judeus disseram:
"José se foi para a sua cidade". E os da guarda replicaram: "Também Jesus ressuscitou,
como ouvimos o anjo, e está na Galiléia".
Ao ouvir estas palavras os judeus sentiram medo e disseram: "Não deixeis que isto se
espalhe porque senão todos inclinar-se-ão diante de Jesus". E, convocado o conselho,
fizeram um depósito de muito dinheiro e deram-no aos soldados, dizendo: "Dizei:
"Enquanto dormíamos, seus discípulos vieram de noite e o levaram'.
7E se isto chegar aos
ouvidos do governador, persuadi-lo-emos e livrá-los-emos de toda a responsabilidade".
Eles pegaram o dinheiro e falaram da maneira que lhes havia sido indicada.
Mas um sacerdote chamado Finees, Adas, o doutor, e Ageu, levita, desceram da
Galiléia até Jerusalém e contaram aos arquissinagogos, aos sacerdotes e aos levitas: "Vimos
Jesus em companhia de seus discípulos sentado no monte chamado Mamilch, e dizia-lhes:
"Ide pelo mundo e pregai a todas as criaturas; aquele que crer e for batizado, salvar-se-á;
mas aquele que não crer, está condenado.
8E aqueles que tiverem acreditado, estes sinais os
acompanharão: arremessarão demônios em meu nome; falarão em novas línguas; colherão
serpentes; e, mesmo que beberem alguma coisa capaz de produzir a morte, não lhes fará
dano; imporão suas mãos sobre os enfermos e estes sentir-se-ão bem'.
9E, quando ainda lhes
estava falando, vimos que ia subindo ao céu".
Os anciãos, os sacerdotes e os levitas disseram: "Glorificai e confessai ao Deus de
Israel se é que ouvistes e vistes o que acabais de dizer". Os que haviam falado disseram: "O
Senhor Deus de nossos pais Abraão, Isaac e Jacob vive, pois que ouvimos isto e o vimos ao ser elevado ao céu".
10Os anciãos, os sacerdotes e os levitas disseram: "Viestes para prestar-
nos conta de tudo isto ou para cumprir algum voto feito a Deus?" Então os anciãos, os
pontífices e os levitas replicaram: "Se haveis vindo para cumprir um voto a Deus, qual a
razão destas histórias mentirosas que haveis contado diante de todo o povo?" Finees o
sacerdote, Adass, o doutor, e Ageu, o levita, disseram aos arquissinagogos e levitas: "Se
estes fatos que contamos, e dos quais fomos testemunhas oculares, constituem um pecado,
aqui nos tendes em vossa presença; fazei conosco o que lhes pareça bom diante de vossos
olhos".
Capítulo 9
1Então eles pegaram o livro da lei e fizeram-nos jurar que não mencionariam a
ninguém aquelas coisas. Depois deram-lhes de comer e de beber e tiraram-nos da cidade,
não sem antes haver-lhes dado dinheiro e haver-lhes dado três homens para que os
acompanhassem, e que deveriam levá-los até os confins da Galiléia.
2E foram-se em paz.
E depois que aqueles homens foram para a Galiléia, os pontífices, os arquissinagogos e
os anciãos reuniram-se na sinagoga, fechando a porta atrás de si, e demonstrando grande
dor, diziam: "Será possível que este portento aconteceu em Israel?"
3Então Anás e Caifás
disseram: "Por que estais tão agitados? Por que chorais? Ou não sabeis que seus discípulos
compararam-nos com uma boa quantidade de ouro e deram-lhes instruções para que digam
que um anjo do Senhor desceu e removeu a pedra da entrada do sepulcro?" Mas os
sacerdotes e anciãos disseram: "Pode ser que os discípulos tenham roubado seu corpo, mas,
como sua alma entrou no corpo e está vivendo na Galiléia?" E eles, na impossibilidade de
dar-lhes resposta para todas estas coisas, disseram enfim a duras penas: "A nós não nos é
permitido acreditar em alguns não circuncidados".
4Mas Nicodemus levantou-se e pôs-se em pé diante do conselho, dizendo: "Falais
perfeitamente. Não desconheceis, ó povo do Senhor, os varões que desceram da Galiléia,
homens de recursos, tementes a Deus, inimigos da avareza, amigos da paz. Pois bem, eles
disseram sob juramento que viram Jesus no monte Mamilch em companhia de seus
discípulos, que estava ensinando todas as coisas que pudessem ouvir da sua boca e que o
viram no momento de ser elevado ao céu.
5E ninguém perguntou-lhes de que maneira foi
elevado. Então como ensinava-nos, estava contido no livro das Sagradas Escrituras que
Elias foi elevado ao céu e que Eliseu gritou fortemente, fazendo com que Elias atirasse sua
capa sobre o Jordão, e assim Eliseu pôde atravessar o rio e chegar até Jericó. Então os
filhos dos profetas saíram ao seu encontro e disseram-lhe: "Eliseu, onde está Elias, teu
senhor?' Ele respondeu que havia sido elevado ao céu. E eles disseram a Eliseu: "Será que o
espírito não o arrancou e o atirou sobre algum monte? Levamos nossos criados conosco e
partamos em sua busca'.
6E convenceram Eliseu, que foi com eles. E andaram buscando-o
durante três dias inteiros, sem encontrá-lo, pelo que tiveram conhecimento de que havia
sido chamado. E agora dai-me atenção: enviemos uma expedição por todos os confins de
Israel e vejamos se por ventura Cristo foi chamado por um espírito e foi depois atirado num
desses montes". Esta proposição agradou a todos e enviaram uma expedição por todos os
confins de Israel em busca de Jesus e não o encontraram. Encontraram foi José de
Arimatéia, mas ninguém atreveu-se a detê-lo.
7E foram-se a prestar contas aos anciãos e aos sacerdotes e aos levitas, dizendo: "Demos
a volta por todos os confins de Israel e não encontramos Jesus, mas encontramos sim José
de Arimatéia". Ao ouvir falar de José, os arquissinagogos, os sacerdotes e os levitas
encheram-se de alegria, deram glória a Deus e puseram-se a deliberar de que maneira
poderiam entrevistar-se com José.
8E pegaram um rolo de papel e escreveram o seguinte
para José: "Que a paz esteja contigo; sabemos que pecamos contra Deus e contra ti. E
temos rogado ao Deus de Israel que permita com que venhas ao encontro de teus pais e de
teus filhos. Pois sabes que todos enchemo-nos de aflição quando, ao abrir a porta, não o
encontramos.
9E agora nos apercebemos de que havíamos tomado uma determinação
perversa contra ti; mas o Senhor veio em tua ajuda e Ele mesmo encarregou-se de dissipar
nosso mau propósito, honorável pai José".
E escolheram, entre todo Israel, sete varões amigos de José, os quais José conhecia, e
os arquissinagogos, sacerdotes e levitas disseram-lhes: "Olhai, se ao receber nossa carta ele
a ler, sabereis que virá até nós em vossa companhia: porém, se não a ler, entendi que está
desgostoso conosco, e, depois de dar-lhe um beijo de paz, voltai aqui".
10Em seguida,
abençoaram os emissários e os despediram. Então estes chegaram ao lugar onde estava
José, e fazendo-lhe uma reverência, disseram-lhe: "A paz esteja contido". E ele por sua vez
disse: "Que a paz esteja convosco e com todo o povo de Israel". Então eles lhe entregaram a
carta. José aceitou-a, leu-a, beijou-a e louvou a Deus, dizendo: "Bendito o Senhor Deus,
que livrou Israel de derramar sangue inocente, e bendito o Senhor que enviou seu anjo e
abrigou-me sob as suas asas".
11Depois, preparou a mesa e ali comeram, beberam e
dormiram.
No dia seguinte levantaram-se muito cedo e fizeram suas orações. Depois, José selou
sua mula e pôs-se a caminho acompanhado daqueles homens e foram até a cidade santa de
Jerusalém. E o povo em massa saiu ao encontro de José, gritando: "Entra em paz".
12Ele disse
dirigindo-se a todo o povo: "Que a paz esteja convosco". E eles deram-lhe um beijo,
prostrando-se em oração juntamente com José. E ficaram todos fora de si por poder
contemplá-lo. Nicodemus hospedou-o em sua casa e em sua honra deu uma grande
recepção, convidando Anás, Caifás, os anciãos, os sacerdotes e os levitas.
Capítulo 10
1E alegraram-se
comendo e bebendo em companhia de José; e, depois de entoar hinos, cada qual foi para
sua casa. José, porém, permaneceu com Nicodemus.
Mas no dia seguinte, que era sexta-feira, os arquissinagogos, sacerdotes e levitas
madrugaram para ir à casa de Nicodemus. Este veio ao seu encontro e disse-lhes: "Que a
paz esteja convosco".
2E eles por sua vez disseram: "Que a paz esteja contigo e com José,
com toda a tua casa e com toda a casa de José". Então fê-los entrar em sua casa. O conselho
estava todo reunido, e José veio sentar-se entre Anás e Caifás. E ninguém se atreveu a
dizer-lhe uma palavra.
3Então José disse: "A quem obedece aquele que me convocou?" Eles
fizeram sinais a Nicodemus para que falasse com José. Ele então abriu sua boca e falou-lhe
assim: "Sabes que os veneráveis doutores, assim como os sacerdotes e levitas, desejam
saber de ti uma coisa". E José disse: "Perguntai". Então Anás e Caifás pegaram o livro da
lei e colocaram José sob juramento dizendo: "Glorifica e confessa a Deus de Israel.
4Sabei
que Achar, ao ser conjurado pelo profeta Jesus, não cometeu perjúrio, mas sim anunciou
tudo e não ocultou uma só palavra. Tu, pois, também não oculte de nós nenhuma palavra. E
José disse: "Não ocultar-vos-ei uma só palavra". Então eles lhe disseram: "Sentimos uma
grande contrariedade quanto pediste o corpo de Jesus e envolveste-o em um lençol limpo e
puseste-o no sepulcro. Por isso detivemos-te num recinto onde não havia nenhuma janela.
5Deixamos, além disso, as portas trancadas e fechadas a chave e dois guardas ficaram
custodiando a prisão onde estavas fechado. Porém, quando fomos abrir, no primeiro dia da
semana, não te encontramos e preocupamo-nos ao máximo e foi-se estabelecendo o espanto
sobre todo o povo de Deus até ontem. Agora, então, conta-nos o que aconteceu contigo".
6E José disse: "Na sexta-feira, à décima hora, encarcerastes-me, e ali permaneci durante
o Sabat todo. Mas à meia-noite, enquanto eu estava em pé orando, a casa onde me deixastes
fechado ficou suspensa nos quatro ângulos e vi como que um relâmpago de luz diante dos
meus olhos.
7Amedrontei-me, então caí ao chão. Porém, alguém pegou a minha mão e
levantou-me do lugar onde estava caído. Senti depois que a água derramava-se sobre mim
desde a cabeça até os pés e veio às minhas narinas uma fragrância de bálsamo. E aquela
personagem desconhecida enxugou-me o rosto, deu-me um beijo e disse-me: "Não temas,
José; abre teus olhos e olha para quem te fala'.
8Então levantando meus olhos, vi Jesus; mas no meu estremecimento supus que era um fantasma e pus-me a recitar os mandamentos. E
ele pôs-se a recitá-los junto comigo. Como sabeis muito bem, se um fantasma vem ao vosso
encontro e ouve os mandamentos, foge rapidamente. Vendo, então, que recitava-os
juntamente comigo, disse-lhe: "Mestre Elias'. Mas ele disse-me: "Não sou Elias'.
9Eu então
disse: "Quem sois, Senhor?' Ele disse-me: "Eu sou Jesus, aquele cujo o corpo tu pediste a
Pilatos e envolveste com um lençol limpo, e puseste um sudário sobre a cabeça, e colocaste
em tua gruta nova, e rolaste uma grande pedra à sua entrada'. E eu disse ao que me falava:
"Mostrai-me o lugar onde te coloquei'.
10E ele levou-me e mostrou-me o lugar onde eu o
colocara; nele estavam estendidos o lençol e o sudário que havia servido para seu rosto.
Então reconheci que era Jesus. Depois ele pegou minha mão e deixou-me a portas fechadas
dentro da minha casa; em seguida, acompanhou-me até minha cama e disse-me: "Que a paz
esteja contigo'.
Capítulo 11
1A seguir deu-me um beijo, dizendo-me: "Até que se completem quarenta
dias não saias de tua casa; pois eis que vou até a Galiléia ao encontro de meus irmãos'."
Quando os arquissinagogos, sacerdotes e levitas ouviram estas palavras dos lábios de
José, ficaram como mortos e caíram ao chão. E jejuaram até a nona hora. Então Nicodemus
e José puseram-se a animar Anás e Caifás, os sacerdotes e os levitas, dizendo: "Levantai,
ficai em pé e robustecei vossas almas, pois amanhã é o Sabat do Senhor".
2E com isto
levantaram-se, oraram a Deus, comeram, beberam e cada um voltou à sua casa.
No sábado seguinte, nossos doutores reuniram-se em conselho, bem como os
sacerdotes e levitas, discutindo entre si e dizendo: "Que será esta cólera que se formou
sobre nós? Porque, de nossa parte, conhecemos bem seu pai e sua mãe". Então, Levi o
doutor disse: "Conheço seus pais e sei que são tementes a Deus, que não descuidam de seus
votos e que três vezes por ano dão seus dízimos. Quando Jesus nasceu, trouxeram-no a este
lugar e ofereceram a Deus sacrifícios e holocaustos.
3E o grande doutor Simeão, ao tomá-lo
em seus braços, disse: "Agora despeça o teu servo em paz, Senhor, segundo tua palavra;
pois meus olhos viram tua salvação, que preparaste para a face de todos os povos; luz para
a revelação dos gentios e glória do teu povo de Israel'. E Simeão abençoou-os e disse a
Maria, sua mãe: "Dou-te boas novas com relação a este menino'.
4Maria disse: "Boas,
senhor?' E Simeão respondeu: "Boas; olha, este foi colocado para a queda e ressurreição de
muitos em Israel e para seu um sinal de contradição. Tua própria alma será atravessada por
uma espada de forma que os pensamentos de muitos fiquem a descoberto'."
Então disseram a Levi o doutor: "Como sabes tu disto?" Ele respondeu: "Não sabeis
que aprendi a lei dos seus lábios?" Os do conselho disseram: "Queremos ver teu pai".
5E fizeram com que o pai de Levi fosse chamado. E, quando o interrogaram, ele respondeu:
"Por que não acreditastes em meu filho? O bem-aventurado e justo Simeão em pessoa
ensinou-lhe a lei". E o conselho disse-lhe: "Mestre Levi, é verdade o que disseste?" Ele
respondeu: "É verdade". E os arquissinagogos, sacerdotes e levitas disseram entre si: "Eia!
Enviemos à Galiléia os três homens que vieram trazer ao nosso conhecimento sua doutrina
e sua ascensão, e que nos digam de que maneira viram-no elevar-se".
6E esta proposição
agradou a todos. Enviaram, pois, os três homens que os haviam acompanhado
anteriormente até a Galiléia com essa incumbência: "Dizei ao mestre Adas, ao mestre
Finees e ao mestre Ageu: "Que a paz esteja convosco e com os que estão em vossa
companhia'. Tendo havido uma grande discussão neste conselho, viemos para levar-vos a
este lugar santo de Jerusalém".
7Puseram-se, pois, os homens a caminho da Galiléia e os encontraram sentados e
absortos com o estudo da lei. Deram-lhe um abraço de paz. Então disseram os varões
galileus a quem havia ido buscar: "Que a paz esteja convosco". E aqueles disseram de
novo: "A que viestes?" Os enviados responderam: "Chama-vos os conselho da santa cidade
de Jerusalém".
8Quando aqueles homens ouviram que eram procurados pelo conselho,
fizeram orações a Deus, sentaram-se à mesa com os enviados, comeram, beberam,
levantaram-se e puseram-se tranqüilamente a caminho de Jerusalém.
No dia seguinte, o conselho reuniu-se na sinagoga e os interrogaram dizendo: "É
verdade que vistes Jesus sentado no monte Mamilch dando instruções aos seus onze
discípulos e que presenciastes sua ascensão?" E os homens responderam desta maneira:
"Da mesma maneira que o vimos ao ser elevado, assim vos contamos".
9Então Anás disse: "Separemo-los uns dos outros e vejamos se suas declarações
coincidem". E foram separados. Depois, em primeiro lugar, chamaram Adas e lhe disseram:
"Mestre, como contemplaste a ascensão de Jesus?" Adas respondeu: "Enquanto ainda
estava sentado no monte Mamilch e dava instruções aos seus discípulos, vimos uma nuvem
que cobriu a todos com sua sombra; depois, a mesma nuvem elevou Jesus até o céu,
enquanto que os discípulos jaziam com suas faces na terra".
10Em seguida chamaram a
Finees, sacerdote, e perguntaram-lhe também: "Como contemplaste a ascensão de Jesus?"
E ele falou de maneira semelhante. Interrogaram também a Ageu, que respondeu de
maneira semelhante. Então ele disse ao conselho: "Está contido na lei de Moisés: "Da boca
de dois ou três toda a palavra será firme'.
11E o mestre Buthem acrescentou: "Está escrito na
lei: "E passeava Enoch com Deus, e já não existe, porque Deus levou-o consigo'." Também
o mestre Jairo disse: "Também ouvimos falar da morte de Moisés, mas não o vimos, pois
está escrito na lei do Senhor: "E Moisés morreu pela palavra do Senhor e ninguém jamais
conheceu, até o dia de hoje, seu sepulcro'.
12E o mestre Levi disse: "E o que significa o
testemunho que o mestre Simeão deu quando viu Jesus: "Eis aqui que este está colocado
para a queda e ressurreição de muitos em Israel e como sinal de contradição'?" E o mestre
Isaac disse: "Está escrito na lei: "Eis aqui que eu envio meu mensageiro diante de ti, o qual
preceder-te-á para guardar-te em todo o bom caminho, pois meu nome é nele invocado'."
Então Anás e Caifás disseram: "Haveis citado justamente o escrito na lei de Moisés,
que ninguém viu a morte de Enoch e que ninguém mencionou a morte de Moisés.
Capítulo 12
1Mas Jesus falou a Pilatos, e nós sabemos que o vimos receber bofetadas e cusparadas no rosto;
que os soldados cingiram-lhe uma coroa de espinhos; que foi flagelado; que recebeu
sentença da parte de Pilatos; que foi crucificado no Calvário em companhia de dois ladrões;
que se lhe deu de beber fel e vinagre; que o centurião Longinos abriu seu flanco com uma
lança; que José, nosso honorável pai, pediu seu corpo e que, como disse, ressuscitou; que,
como dizem os três mestres, viram-no elevar-se ao céu; e, finalmente, que o mestre Levi
deu testemunho do que o mestre Simeão disse, e que disse: "Eis aqui este que está colocado
para a queda e ressurreição de muitos em Israel e como sinal de contradição'.
2E todos os
doutores disseram em uníssono ao povo inteiro de Israel: "Se esta ira provém do Senhor e é
admirável aos nossos olhos, conhecei sem dar margem a dúvidas, ó casa de Israel, que está
escrito: "Maldito todo aquele que está preso a um pedaço de madeira'. E outro lugar da
escritura menciona: "Deuses que não fizeram o céu e a terra perecerão'.
3E os sacerdotes e
levitas disseram entre si: "Se sua memória perdurar até Sommos (também conhecido pelo
nome de Jobel), sabei que o seu domínio será eterno e que fará nascer para si um novo
povo". Então os arquissinagogos, sacerdotes e levitas exortaram todo o povo de Israel
dizendo: "Maldito aquele que adorar qualquer obra saída de mãos humanas e maldito
aquele que adorar as criaturas tendo ao lado o Criador".
4E o povo em massa respondeu:
"Amém, amém". Depois a multidão entoou um hino ao Senhor desta forma: "Bendito o Senhor, que
proporcionou descanso ao povo de Israel de acordo com o que havia prometido; não caiu
no vazio nem uma só de todas as boas coisas que disse ao seu servo Moisés.
5Que siga ao nosso lado o Senhor nosso Deus da mesma maneira que estava do lado dos nossos pais.
Que não nos entregue à perdição para que possamos inclinar nosso coração até Ele, para
que possamos seguir todos os seus caminhos e para que possamos praticar os preceitos e
critérios que apregoou aos nossos pais.
6Naquele dia o Senhor será rei sobre toda a terra; não
haverá outro ao seu lado; seu nome será unicamente Senhor, nosso rei. Ele nos salvará.
Não há semelhante a ti, Senhor; sois grande, Senhor, e grande o teu nome. Cura-nos pela
tua virtude e seremos curados; salva-nos, Senhor, e seremos salvos, pois somos tua pequena
parte e tua herança.
7O Senhor não abandonará jamais o seu povo pela magnitude do seu
nome, pois começou a fazer de nós o seu povo.
E todos depois, em coro, cantaram o hino e cada qual foi para casa dando graças a
Deus, porque aquele dia permanece por todos os séculos dos séculos. Amém.
Capítulo 13
DESCIDA DE CRISTO AO INFERNO
1Dois textos apócrifos constituem o Evangelho de Nicodemus: Atos de Pilatos e Descida
de Cristo ao Inferno. Em é seqüência do outro e o completa, embora escritos em épocas
diferentes. Justino, em 150, menciona em seus escritos um texto chamado Atos de Pôncio
Pilatos, narrando os acontecimentos posteriores à Crucificação.
2Então José disse: "E por que vos admirai de que Jesus tenha ressuscitado? O admirável
não é isto; o admirável é que não somente ele ressuscitou, como também devolveu a vida a
um grande número de mortos, que há muito não são vistos em Jerusalém. E se não
conheceis os outros, conheceis sim, pelo menos, Simeão, aquele que tomou Jesus nos
braços, assim como também seus dois filhos, que igualmente foram ressuscitados.
3Pois a esses, há pouco tempo, nós mesmos demos sepultura, e agora podem contemplar seus
sepulcros abertos e vazios, e estão vivos e morando em Arimatéia". Enviaram, então,
algumas pessoas e comprovaram que os sepulcros estavam abertos e vazios. José então
disse: "Vamos a Arimatéia e veremos se os encontramos".
E levantando-se os pontífices Anás, Caifás, José, Nicodemus, Gamaliel, e outros em
sua companhia, foram até Arimatéia onde encontraram aqueles a quem José se havia
referido. Fizeram, então, orações e abraçaram-se mutuamente.
4Depois regressaram a
Jerusalém em sua companhia e os levaram até a sinagoga. E, ali postos, fecharam as portas,
colocaram o Antigo Testamento dos judeus no cento e os pontífices disseram-lhes:
"Queremos que jureis pelo Deus de Israel e por Adonai, para que assim digais a verdade, de
como haveis ressuscitado e quem é aquele que vos tirou de entre os mortos".
5Quando os ressuscitados ouviram isto, fizeram sobre suas faces o sinal da cruz e
disseram aos pontífices: "Dai-nos papel, tinta e pena". Trouxeram-lhes e, sentando-se,
escreveram da seguinte maneira:
Oh, Senhor Jesus Cristo, ressurreição e vida do mundo! Dai-nos a graça para fazermos
o relato da tua ressurreição e das maravilhas que fizeste no Inferno.
6Nós estávamos, então,
no Inferno em companhia de todos os que haviam morrido desde o princípio. E na hora da
meia-noite amanheceu naquelas trevas, algo assim como a luz do sol, e com o seu brilho
fomos todos iluminados e pudemos ver-nos uns aos outros. E ao mesmo tempo o nosso pai
Abraão, os patriarcas e profetas e todos em uníssono regozijaram-se e disseram entre si:
"Esta luz provém de um grande resplendor".
7Então o profeta Isaías, ali presente, disse:
"Esta luz provém do Pai, do Filho e do Espírito Santo; sobre ela ou profetizei, quando ainda
estava na terra, desta maneira: "Terra de Abulão e terra de Neftali, o povo que estava
sumido nas trevas viu uma grande luz'.
8Depois surgiu do meio um asceta do deserto, e os patriarcas perguntaram-lhe: "Quem
sois?" Ele respondeu: "Eu sou João, o último dos profetas, aquele que preparou os
caminhos do Filho de Deus e pregou a penitência ao povo para remissão dos pecados. O
Filho de Deus veio ao meu encontro e, ao vê-lo de longe, disse ao povo: "Eis aqui o
cordeiro de Deus, aquele que tira os pecados do mundo'.
9E com minha própria mão batizei-o no rio Jordão e vi o Espírito Santo em forma de pomba que descia sobre ele. E ouvi
também a voz de Deus Pai, que assim dizia: "Este é meu Filho, o amado, o que me agrada'.
E por isso mesmo também enviou-me a vós para anunciar-vos a chegada do Filho de Deus
unigênito a este lugar, a fim de que aquele que acreditar nele seja salvo, e quem não
acreditar, seja condenado.
10Por isto recomendo a todos que, enquanto o virdes, adoreis
somente a ele, porque esta é a única oportunidade de que dispondes para fazer penitência
pelo culto que rendestes aos ídolos enquanto vivíeis no mundo vil de antes e pelos pecados
que cometestes; isto já não poderá ser feito em outra ocasião.
Ao ouvir o primeiro a ser criado e pai de todos a instrução que João estava dando aos
que se encontravam no inferno, disse Adão ao seu filho Seth:
11"Meu filho, quero que digas
aos pais do gênero humano e aos profetas para onde eu o enviei quando caí no transe da
morte". Seth disse: "Profetas e patriarcas, escutai: meu pai Adão, a primeira das criaturas,
caiu uma vez em perigo de morte e enviou-me para fazer orações a Deus muito próximo da
porta do paraíso, para que me fizesse chegar por meio de um anjo até a árvore da
misericórdia, de onde haveria de tomar do óleo, para com ele ungir meu pai para que assim
ele pudesse recuperar-se de sua doença. Assim fiz.
12E, depois de fazer minha oração, um
anjo do Senhor veio e disse-me: "Que pedes, Seth? Buscas o óleo que cura os doentes ou a
árvore que o distila para a doença do teu pai? Isto não pode ser encontrado agora. Vai, pois,
e diz ao teu pai que depois de cinco mil e quinhentos anos, a partir da criação do mundo,
haverá de descer o Filho de Deus humanizado; Ele encarregar-se-á de ungi-lo com este
óleo, e teu pai levantar-se-á; e, além disso, purificá-lo-á, tanto a ele quanto aos seus
descendentes com água e com o Espírito Santo; e então, sim, ver-se-á curado de todas as
doenças, porém, por agora, isto é impossível'."
13Os patriarcas e profetas que ouviram isto alegraram-se grandemente.
E, enquanto estavam todos se regozijando desta forma, Satanás, o herdeiro das trevas,
veio e disse ao Inferno: "ó tu, devorador insaciável de todos, ouve minhas palavras: anda
por aí um certo judeu, de nome Jesus, que chama-se a si mesmo Filho de Deus; mas, como
é um homem puro, os judeus deram-lhe a morte na cruz, graças à nossa cooperação. Agora,
então, que acaba de morrer, estejas preparado para que possamos colocá-lo aqui bem
aprisionado; pois eu sei que não é mais do que um homem, e ouvi-o até dizer: "Minh'alma
está triste por causa da morte'.
Capítulo 14
1Sabes, além disso, que ele me causou muitos danos no
mundo enquanto vivia entre os mortais, pois aonde quer que eu encontrasse meus servos,
ele os perseguia; e todos os homens que eu deixava mutilados, cegos, coxos, leprosos ou
algo semelhante, ele os curava somente com sua palavra; até muitos deles para os quais eu
já havia preparado sepultura, ele fazia reviver somente com sua palavra".
2Então disse o Inferno: "E é ele tão poderoso assim que pode fazer tais coisas somente
com sua palavra? E, sendo ele assim, tu porventura te atreves a enfrentá-lo? Eu creio que
diante de alguém como ele, ninguém poderá opor-se. E o que disseste tê-lo ouvido
exclamar, expressando seu temor diante da morte, disse-o sem dúvida, para rir-se de ti e
enganar-te, para poder desafiar-te com seu poder.
3E então, ai! ai de ti por toda a
eternidade!" Ao que Satanás respondeu: "ó Inferno, devorador insaciável de todos! Sentiste
tanto medo assim ao ouvir falar de nosso inimigo comum? Eu nunca lhe tive medo, e bem
que aticei os judeus, e eles o crucificaram e deram-lhe de beber fel com vinagre.
4Prepara-te, então, para que quando venha possa subjugá-lo firmemente".
O Inferno respondeu: "Herdeiro das trevas, filho da perdição, caluniador, acabas de
dizer-me que ele fazia reviver somente com sua palavra a muitos dos que tu havia
preparado para a sepultura; se, pois, ele livrou outros do sepulcro, como e com que forças
nós seremos capazes de subjugá-lo? Há pouco tempo devorei um cadáver chamado Lázaro;
porém, pouco depois, um dos vivos, somente com sua palavra, arrancou-o à força das minhas entranhas.
5E penso que ele é o mesmo ao qual tu te referes. Se, pois, viermos a
recebê-lo aqui, tenho medo de que corramos perigo também com relação aos demais porque
deves saber que vejo agitados todos os que devorei desde o princípio, e sinto dores na
minha barriga. E Lázaro, aquele que me foi arrebatado anteriormente, não é um bom
presságio, pois voou para longe de mim, não como um morto mas sim como uma águia:
tão rapidamente arremessou-o fora da terra.
6Assim, pois, conjuro-te por tuas artes e pelas
minhas, não o tragas aqui. Tenho para mim que o fato de ele ter-se apresentado em nossa
mansão quer dizer que todos os mortos cometeram pecado. E considera que, pelas trevas
que possuímos, se o trouxeres aqui, não me restará nem um só dos mortos".
7Enquanto Satanás e o Inferno diziam tais coisas entre si, produziu-se uma grande voz
como um trovão, que dizia: "Elevai, ó príncipes, vossas portas; descerrai, ó portas eternas, e
o Rei da Glória entrará". Quando o Inferno ouviu isto, disse a Satanás: "Sai, se és capaz, e
enfrenta-o". E Satanás saiu. Depois o Inferno disse para seus demônios: "Trancai bem e
fortemente as portas de bronze e os ferrolhos de ferro; guardai minhas fechaduras e
examinai tudo o que está em pé, pois, se aquele entrar aqui, ai! apoderar-se-á de nós".
8Os pais que ouviram isto começaram a fazer-lhe zombarias dizendo: "Comilão
insaciável, abre para que o Rei da Glória entre". E o profeta Davi disse: "Não sabes, cego,
que estando eu ainda no mundo, fiz esta profecia: "Elevai, ó príncipes, vossas portas!?'"
Isaías por sua vez disse: "Eu, prevendo isto pela virtude do Espírito Santo, escrevi: "Os
mortos ressuscitarão e os que estão no sepulcro levantar-se-ão e os que vivem na terra
alegrar-se-ão'; e onde estão, ó morte, teus grilhões? Aonde, Inferno, a tua vitória?"
Então, de novo veio uma voz que dizia: "Levantai as portas". O Inferno, que ouviu
repetir esta voz, disse como se não se apercebesse: "Quem é este Rei da Glória?" E os anjos
do Senhor responderam: "O Senhor forte e poderoso, o Senhor poderoso na batalha".
9E num instante, à convocação de conjuração desta voz, as portas de bronze se tornaram
pequeninas e os ferrolhos de ferro ficaram reduzidos a pedaços, e todos os defuntos
acorrentados viram-se livres de suas correntes, e nós dentre eles. E entrou o Rei da Glória
na figura humana, e todos os antros escuros de Inferno foram iluminados.
10Em seguida o Inferno começou a gritar: "Fomos vencidos, ai de nós! Mas quem és tu,
que possuis tal poder e força? Quem és tu, que vens aqui sem pecado? Aquele que é
pequeno na aparência e pode grandes coisas, o humilde e o excelso, o servo e o senhor, o
soldado e o rei, aquele que tem poder sobre os vivos e os mortos? Foste pregado à cruz e
colocado no sepulcro, e agora ficaste livre e desfizeste nossa força.
11Então, por conseguinte, é tu Jesus, de quem nos falava o grande sátrapa Satanás, que pela cruz e pela morte tornar-
te-ias dono de todo o mundo?"
Então o Inferno encarregou-se de Satanás e disse-lhe: "Belzebu, herdeiro do fogo e da
tempestade, inimigo dos santos, que necessidade tinhas de providenciar para que o Rei da
Glória fosse crucificado e que viesse depois aqui e nos despojasse? Vira-te e olha que em
mim não ficou nenhum morto, pois que tudo o que ganhaste pela árvore da ciência puseste
a perder pela cruz.
12Todo o teu gozo converteu-se em tristeza, e a pretensão de matar o Rei
da Glória provocou tua própria morte. E, uma vez que te recebi com a recomendação de
subjugar-te fortemente, aprenderás com a própria experiência quanto mal sou capaz de
infligir-te. Ó chefe dos diabos, princípio da morte, raiz do pecado, final de toda a maldade,
que encontraste de mal em Jesus para buscar sua perdição? Como tiveste coragem para
perpetrar um crime tão grande? Por que te ocorreu fazer um varão como este descer até
estas trevas, pois as despojou de todos os que morreram desde o princípio?"
Enquanto o Inferno admoestava assim Satanás, o Rei da Glória estendeu sua mão direita e com ela pegou e levantou o primeiro pai Adão.
Capítulo 15
1Depois dirigiu-se aos demais e
disse-lhes: "Vinde aqui comigo todos os que foram feridos de morte pelo madeiro que me
tocou, pois eis aqui que eu vos ressuscito pela madeira da cruz". E com isto levou todos
para fora. E o primeiro pai Adão apareceu transbordante de gozo e dizia: "Agradeço,
Senhor, tua magnanimidade por me haveres tirado do mais profundo Inferno".
2E também todos os profetas e santos disseram: "Damos-te graças, ó Cristo Salvador do mundo, porque
tiraste nossa vida da corrupção".
Depois de assim haverem falado, o Salvador abençoou Adão na testa com o sinal da
cruz. Depois fez a mesma coisa com os patriarcas, profetas, mártires e progenitores.
3E a seguir pegou-os a todos e deu um salto do Inferno. E enquanto ele caminhava, os santos
pais seguiam-no cantando e dizendo: "Bendito aquele que vem em nome do Senhor.
Aleluia! Sejam para ele os louvores de todos os santos".
Ia, então, a caminho do paraíso levando pela mão o primeiro pai Adão.
4E ao chegar, entregou-o, assim como os demais justos, ao arcanjo Micael. E quando entraram pela porta
do paraíso, saíram dois anciãos, aos quais os santos pais perguntaram: "Quem sois vós, que
não viestes a morte nem descestes ao Inferno, mas viveis de corpo e alma no paraíso?" Um
deles respondeu e disse: "Eu sou Enoch, aquele que agradou ao Senhor e foi trazido aqui
por Ele; este é Elias e Tesbita; ambos seguiremos vivendo até a consumação dos séculos;
então seremos enviados por Deus para enfrentar o anticristo e ser mortos por ele, e
ressuscitar no terceiro dia, para depois sermos arrebatados pelas nuvens ao encontro do
Senhor".
5Enquanto eles assim se expressavam, veio outro homem de aparência humilde, que
levava ainda sobre os seus ombros uma cruz. Os santos pais disseram-lhe: "Quem és tu, que
tens o aspecto de ladrão, e que é essa cruz que leva sobre teus ombros?" Ele respondeu:
"Eu, segundo dizes, era ladrão e assaltante no mundo e por isso os judeus prenderam-me e
entregaram-me à morte na cruz juntamente com Nosso Senhor Jesus Cristo.
6E enquanto ele
pendia na cruz, ao ver os prodígios que se sucederam, acreditei e roguei a ele dizendo:
"Senhor, quando reinares, não te esqueças de mim'. E ele logo disse-me: "Em verdade em
verdade te digo, hoje mesmo estarás comigo no paraíso'. Vim, pois, com minha cruz nas
costas até o paraíso e, encontrando o arcanjo Micael, disse-lhe: Nosso Senhor Jesus, aquele
que foi crucificado, enviou-me aqui; leva-me, então, até a porta do Éden'.
7E quando a espada de fogo viu o sinal da cruz, abriu-me a porta e entrei. Depois o arcanjo disse-me:
"Espera um momento, já que também deve ir o primeiro pai da raça humana, Adão, em
companhia dos justos, para que eles também entrem. E agora, ao vê-los, saí ao vosso
encontro'."
8Quando os santos ouviram isto, exclamaram em voz alta da seguinte maneira: "Grande
é o nosso Senhor e grande é o seu poder".
Tudo isto nós vimos e ouvimos, os dois irmãos gêmeos, que fomos também enviados
pelo arcanjo Micael e designados para pregar a ressurreição do Senhor antes de ir até o
Jordão e sermos batizados. Para ali fomos e fomos batizados juntamente com outros
defuntos também ressuscitados; depois viemos a Jerusalém e celebramos a Páscoa da
ressurreição.
9Mas agora, na impossibilidade de permanecermos aqui, vamo-nos. Que a
caridade, então, de Deus Pai e a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo e a comunicação dos
Espírito Santo estejam convosco". E, uma vez isto escrito e fechados os livros, deram a
metade aos pontífices e a outra metade a José e a Nicodemus. Eles, por sua vez,
desapareceram imediatamente para a glória de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.
10Então os mestres Addas, Finnes e Égias, três varões que vieram da Galiléia para
testemunhar que haviam visto Jesus ser arrebatado ao céu, levantaram-se em meio à
multidão de chefes dos judeus e disseram na presença dos sacerdotes e levitas reunidos em
conselho: "Senhores, quando íamos da Galiléia ao Jordão, veio ao nosso encontro uma
grande multidão de homens vestidos de branco que haviam morrido já há algum tempo.
11Dentre eles reconhecemos Karino e Lêucio; e quanto eles se aproximaram de nós e nos
beijamos mutuamente, já que haviam sido nossos amigos, perguntamo-lhes: "Dizei-nos,
irmãos e amigos, que são esta alma e este corpo, e quem são essas pessoas com quem
caminhais, e como viveis no corpo, sendo que já faz tempo que morrestes?"
Capítulo 16
1Eles responderam desta maneira: "Ressuscitamos dos infernos com Cristo e Ele tirou-
nos de entre os mortos. E saibas que a partir de agora ficam destruídas as portas da morte e das trevas, e as almas dos santos foram tiradas dali e subiram ao céu com Cristo Senhor
Nosso.
2O Senhor em pessoa mandou-nos que, durante um certo tempo vagássemos pelas
margens do Jordão e pelos montes, entretanto sem que nos deixássemos ver e sem que
falássemos com ninguém, mas somente com aqueles que ele permitisse. Neste momento,
não nos seria possível nem falar nem nos deixar ver por vós se não nos tivesse sido
permitido pelo Espírito Santo".
3Diante destas palavras, a multidão que assistia ao conselho ficou assustada, presa de
temor e de tremor, e dizia: "Por ventura será verdade o que estes dois galileus
testemunham?" Então Anás e Caifás dirigiram-se ao conselho nestes termos: "Descobrir-se-
á imediatamente o que está relacionado com todas estas coisas de que estes deram
testemunho antes e depois: se se comprovar ser verdade que Karino e Lêucio permanecem
vivos em seus corpos, e se nos for permitido vê-los com nossos próprios olhos, significa
que é verdade o que eles testemunham com todos os detalhes, e, quando os encontrarmos,
informar-nos-ão com certeza de tudo. Caso contrário, porém, sabei que tudo é pura farsa".
4Puseram-se, então, a deliberar e concordaram em escolher alguns homens idôneos e
tementes a Deus, que os sabiam mortos e os conheciam a sepultura em que haviam sido
colocados, para que fizessem diligentes pesquisas e comprovassem se aquilo era, na
verdade, tal como haviam dito. Assim, pois, foram lá quinze homens que haviam
presenciado a sua morte e haviam estado pessoalmente no lugar da sepultura, e haviam
visto seus sepulcros.
5Examinaram, então, e os encontraram abertos, bem como outros
tantos, sem que pudessem ver sinais de seus ossos ou de suas cinzas. E voltaram com
grande surpresa, relatando o que haviam visto.
Então a sinagoga inteira turbou-se, cheia de uma angústia terrível, e disseram entre si:
"Que haveremos de fazer?" Anás e Caifás disseram: "Dirigimo-nos ao lugar onde eles
estão, e enviemos até eles homens de nobreza, intercessores que lhes supliquem que se
dignem vir a nós".
6Enviaram, então, Nicodemus, José e os três mestres galileus que os
haviam visto, com o pedido de que fizessem a gentileza de vir até eles. Puseram-se, então, a
caminho e andaram por todos os arredores de Jordão e dos montes. Mas, não os tendo
encontrado, já estavam tomando o caminho de volta.
Quando, de repente, avistaram uma grande multidão, como de uns doze mil homens
que haviam ressuscitado com o Senhor e que desciam do monte Amalech.
7Eles reconheceram muitos deles, porém não foram capazes de dirigir-lhes uma só palavra, com
medo da visão angélica, e contentaram-se em vê-los de longe e ouvi-los cantando hinos e dizendo: "O Senhor ressuscitou de entre os mortos, como havia dito; alegremo-nos e
regozijemo-nos todos, porque ele reina eternamente". Então os que foram buscá-los ficaram
mudos de admiração e receberam deles o conselho de ir procurar Karino e Lêucio em suas
próprias casas.
8Levantaram-se, então, e foram buscá-los em suas casas, onde os encontraram
entregues à oração. E, entrando no lugar em que estavam, caíram com os rostos por terra e
assim que se cumprimentaram, levantaram-se e disseram: "Amigos de Deus, ao ouvir que
havíeis ressuscitado de entre os mortos, a assembléia dos judeus enviou-nos a vós para
pedir-vos encarecidamente que vos dirijais até eles, para que possamos juntos conhecer as
maravilhas divinas que tiveram lugar à nossa volta em nossos tempos".
9Eles então levantaram-se imediatamente, movidos pela inspiração divina, e, em sua companhia,
entraram na sinagoga. E a assembléia dos judeus, juntamente com os sacerdotes, passaram
às suas mãos os livros da lei e os conjuraram pelo Deus Heloi e Deus Adonai e pela lei e
pelos profetas desta maneira: "Dizei-nos como haveis ressuscitado de entre os mortos e o
que são estas maravilhas que tiveram lugar em nossos tempos, maravilhas de que jamais
ouvimos falar em qualquer outro tempo. Sabei, então, que o pavor e a estupefação
atingiram nossos ossos e que a terra moveu-se sob nossos pés, por havermos juntado nossa
vontade para derramar sangue justo e santo".
10Então, Karino e Lêucio fizeram-lhes sinais com as mãos para que lhes descem um rolo
de papel e tinta. E assim o fizeram porque o Espírito Santo não lhes permitiu falar com eles.
Deram a cada um papel e os separaram em diferentes salas. E eles então, depois de fazerem
o sinal da cruz com os dedos, começaram a escrever cada um seu próprio rolo. E, quando
terminaram, exclamaram a uma só voz, de suas salas: "Amém".
Capítulo 17
1Em seguida Karino levantou-se e deu seu papel para Anás, enquanto que Lêucio fez o mesmo com Caifás. E
depois de se despedirem, saíram e voltaram aos seus sepulcros.
Então, Anás e Caifás abriram cada um o seu volume e começaram a ler em segredo. O
povo, porém, sentindo-se ofendido, exclamou em uníssono: "Lede esses escritos em voz
alta, e, depois, haveremos de conservá-los para que a verdade divina não venha a ser
adulterada por indivíduos imundos e ardilosos, levados pela obsessão".
2Então Anás e Caifás, cheios de tremor, entregaram o rolo de papel ao mestre Addas, ao mestre Finees e
ao mestre Égias, que haviam vindo da Galiléia com a notícia de que Jesus havia sido
elevado ao céu; e todo o povo confiou neles para que lessem este escrito. E leram o papel,
que continha o seguinte:
3"Senhor Jesus Cristo, permite que eu, Karino, exponha as maravilhas que operaste nos
Infernos. Enquanto nós nos encontrávamos presos nos Infernos, desaparecidos nas trevas e
nas sombras da morte, vimo-nos de repente iluminados por uma grande luz e o Inferno e as
portas da morte estremeceram. Então fez-se ouvir a voz do Filho do Altíssimo, como se
fosse a voz de um grande trovão que, dando um forte brado, disse: "Deixai que se abram, ó
príncipes, vossas portas; descerrai as portas da eternidade, pois sabeis que Cristo Senhor,
Rei da Glória, virá para entrar.
4"Então Satanás, o príncipe da morte, ouvindo o brado, fugiu aterrorizado para dizer aos
seus subordinados e aos Infernos: "Meus ministros e todos os Infernos, vinde todos aqui,
fechai vossas portas, colocai os ferrolhos, lutai com denodo e resisti, não aconteça que,
sendo donos das correntes, venhamos a ficar presos nelas'.
5Então, todos os seus ímpios
satélites, perturbados, puseram-se apressadamente a fechar as portas da morte, a verificar as
fechaduras e os ferrolhos, e a empunhar com firmeza todas as suas armas, e a lamentar com
voz sinistra e horripilante.
6"Então Satanás disse ao Inferno: "Prepara-te para receber alguém que vou trazer-te'.
Mas o Inferno assim respondeu a Satanás: "Esta voz não foi outra coisa senão o brado do
Filho do Pai Altíssimo, pois diante das suas palavras a terra e os lugares do Inferno
entraram em comoção; penso que tanto eu quanto minhas ligações ficaram agora patentes e
a descoberto.
7Mas afirmo-te, ó Satanás, cabeça de todos os males, por tua força e pela
minha, que não o tragas a mim, a não ser que, querendo pegá-lo, venhamos nós a ser presos
por ele. Pois se somente com sua voz minha fortaleza ficou de tal forma desfeita, que fazer
quando estiver em sua presença?'
"Por sua vez, Satanás, o príncipe da morte, assim respondeu: "Por que gritas? Não
tenhas medo, perversíssimo amigo de outrora, porque fui eu quem incitou o povo judeu
contra ele e graças a mim foi ferido com bofetadas, e eu perpetrei sua traição através de um
dos seus.
8Além disso, é um homem muito temeroso diante da morte, posto que, deixando-se
oprimir pela força do temor, disse: "Minh'alma está triste até a morte'. E eu mesmo trouxe
até ela, já que agora está dependurado na cruz'.
"Então o Inferno lhe disse: "Se é ele quem somente com o poder do seu verbo fez
Lázaro voar das minhas entranhas como uma águia, morto já há quatro dias, esse não é um
homem na sua humanidade, mas sim Deus na sua majestade. Suplico-te, então, que não mo
tragas aqui'.
9Satanás contestou: "Entretanto, prepara-te; não tenhas medo. Agora que já está
dependurado na cruz, não posso fazer outra coisa'. Então o Inferno respondeu a Satanás da
seguinte maneira: "Se, então, não és capaz de fazer outra coisa, tua perdição está perto. Em
última instância, eu ficarei, sim, abatido e sem honra, mas tu serás crucificado sob meu
domínio'.
"Enquanto isso, os santos de Deus estavam escutando a contenda entre Satanás e o
Inferno; eles ainda não se reconheciam, mas estavam a ponto de começar a se conhecer.
10E nosso pai Adão, por sua vez, assim respondeu a Satanás: "Ó príncipe da morte, por que
tremes e te amedrontas? Olha, o Senhor virá e irá destruir agora mesmo todas as tuas
criaturas, e tu serás amarrado por ele e ficarás preso por toda a eternidade'.
"Então, todos os santos, ao ouvir a voz de nosso pai Adão e ao ver com que integridade
respondia a Satanás, alegraram-se e sentiram-se reconfortados; em pouco tempo, puseram-
se a andar em massa ao lado de Adão e reuniram-se a ele.
11E nosso pai Adão, ao olhar mais atentamente toda aquela multidão, admirava-se de ver que todos haviam sido gerados por
ele neste mundo. E então, depois de abraçar todos os que estavam ao seu redor, disse ao seu
filho Seth, derramando amargas lágrimas: "Meu filho Seth, conta aos santos patriarcas e
profetas o que o guardião do paraíso te disse quando caí doente e enviei-te para que me
trouxesses um pouco de óleo da misericórdia e me ungisses com ele'.
12"E Seth disse: "Quando me enviaste à porta do paraíso, orei e roguei ao Senhor com
lágrimas e chamei o guardião do paraíso para que me desse um pouco desse óleo. Então o
arcanjo Micael saiu e disse-me: "Seth, por que choras? A propósito, saibas que teu pai
Adão não receberá este óleo de misericórdia, senão depois de muitas gerações se haverem
passado. Pois descerá do céu ao mundo o Filho de Deus e será batizado por João no rio
Jordão; aí teu pai receberá este óleo de misericórdia, juntamente com todos os que crêem
nele; e o reino dos que acreditaram nele permanecerá pelos séculos'.
13"Quando os santos ouviram isto exultaram. E um deles ali presente, chamado Isaías,
exclamou em altos brados: "Pai Adão e todos os presentes, escutai minhas palavras:
enquanto vivia eu na terra, inspirado pelo Espírito Santo compus um cântico profético sobre
esta luz, dizendo: "O povo que permanecia nas trevas viu uma grande luz, amanheceu a luz
para os habitantes da região das sombras da morte'. Ao ouvir isto, Adão e todos os presentes o interrogaram: "Quem és tu? Porque é verdade o que estás dizendo'. E ele
respondeu: "Eu me chamo Isaías'.
Capítulo 18
1"Então alguém que se assemelhava a um religioso aproximou-se. E perguntaram-lhe
dizendo: "Quem és tu, que levas tais sinais em teu corpo?' E ele respondeu com firmeza:
"Eu sou João Batista, a voz e o profeta do Altíssimo. Eu caminhei diante da face do próprio
Senhor para converter os desertos e os caminhos ásperos em veredas planas. Com o meu
dedo, apontei os jerosolimitas e glorifiquei o cordeiro do Senhor e o Filho de Deus. Eu o
batizei no rio Jordão e pude ouvir a voz do Pai que trovejava do céu sobre ele e
proclamava: "Este é meu Filho amado, nele regozijo-me'.
2Eu também ouvi dele a promessa
de que ele próprio haveria de descer aos Infernos'.
"O pai Adão ao ouvir isto exclamou com voz grave: "Aleluia', que significa: o Senhor
está chegando.
Depois, outro dos que estavam presentes e que se distinguia por uma espécie de
insígnia imperial, chamado Davi, pôs-se a falar, dizendo: "Eu, vivendo ainda na terra,
revelei ao povo os mistérios da misericórdia de Deus, profetizando os futuros prazeres que
haveriam de vir com o passar dos séculos, da seguinte maneira: "Dai glória a Deus por suas
misericórdias e suas maravilhas aos filhos dos homens, porque despedaçou as portas de
bronze e arrebentou os ferrolhos de ferro'.
3Então os santos patriarcas e profetas começaram
a se reconhecer e a falar, um por um, de suas profecias. O santo profeta Jeremias,
examinando suas profecias, dizia aos patriarcas o profetas: "Vivendo na terra, profetizei
sobre o Filho de Deus, que apareceu na terra e conversou com os homens'.
"Então todos os santos cheios de alegria por causa da luz do Senhor, por ver o pai Adão
e pela resposta de todos os patriarcas e profetas, exclamaram: "Aleluia, bendito o que vem
em nome do Senhor', de maneira que diante dessa exclamação, Satanás encheu-se de pavor
e procurou um caminho para fugir.
4Mas isto não lhe era possível, porque o Inferno e seus
satélites tinham-no subjugado o sitiado e diziam-lhe: "Por que tremes? De nenhuma
maneira permitiremos que saias daqui, mas haverás de receber isto como bem merecido,
das mãos daquele a quem atacavas sem trégua; caso contrário, saibas que serás acorrentado
por ele e submetido à minha custódia'.
5"E novamente ressoou a voz do Filho do Pai Altíssimo, como o estrondo de um grande
trovão, que dizia: "Levantai vossas portas, ó príncipes, e elevai-vo, ó portas eternas, que o
Rei da Glória vai entrar'. Estão Satanás e o Inferno puseram-se a gritar assim: "Quem é esse
Rei da Glória?' E a voz do Senhor lhes respondeu: "O Senhor forte e poderoso, o Senhor
forte na batalha'.
"Depois de ouvir-se esta voz, veio um homem cujo aspecto era como o de um ladrão,
com uma cruz às costas, que gritava do lado de fora dizendo: "Abri a porta para que eu
entre". Satanás então entreabriu-a e introduziu-o no recinto, fechando a porta atrás dele.
6E todos os santos viram-no cheio de luz e disseram-lhe: "Teu aspecto exterior é de ladrão;
diga-nos, que é isso que levas em tuas costas?' Ele humildemente respondeu e disse: "Na
verdade, fui mesmo um ladrão, e os judeus dependuraram-me na cruz com meu Senhor
Jesus Cristo, Filho do Pai Altíssimo. Enfim, adiantei-me, mas ele vem imediatamente atrás
de mim'.
"O santo Davi, então, encheu-se de cólera contra Satanás e bradou: "Abre tuas portas, ó
asqueroso, para que o Rei da Glória entre'. E todos os santos de Deus também se insurgiram
contra Satanás e queriam agarrá-lo e destruí-lo.
7E de novo ouviu-se um grito que vinha de
dentro: "Descerrai vossas portas, ó príncipes, e elevai-vos, ó portas eternas, que o Rei da
Glória vai entrar'. E o Inferno e Satanás novamente perguntaram àquela voz clara, dizendo"
"Quem é este Rei da Glória?' E aquela voz maravilhosa respondeu: "O Senhor das virtudes,
ele é o Rei da Glória'.
"E no mesmo instante o Inferno pôs-se a tremer e as portas da morte, bem como as
fechaduras, despedaçaram-se, e os ferrolhos do Inferno romperam-se e caíram ao chão,
deixando todas as coisas a descoberto. Satanás permaneceu no meio em pé, confuso e
prostrado, com os pés presos por grilhões.
8E eis que o Senhor Jesus Cristo entrou rodeado
de uma claridade sublime, manso, grande e humilde, levando em suas mãos uma corrente;
com ela amarrou o pescoço de Satanás e depois de novamente unir suas mãos às costas,
arremessou-o ao Tártaro e pôs seu santo pé em sua garganta, dizendo: "Fizeste muitas
coisas más no decorrer dos séculos; não deste nenhum descanso; hoje entrego-te ao fogo
eterno'. E chamando novamente o Inferno, disse-lhe com autoridade: "Toma este
amaldiçoado e perverso Satanás e mantém-no sob tua custódia até o dia que eu determinar'.
O Inferno aceitou-o e ambos precipitaram-se no profundo do abismo.
"Então Nosso Senhor Jesus Cristo, Salvador de todos, piedosíssimo e muito suave,
saudando novamente Adão, dizia-lhe com bondade: "A paz esteja contigo, Adão, na
companhia de teus filhos por todos os séculos dos séculos, amém'.
9E o pai Adão prostrou-se
então aos pés do Senhor e, levantando-se, beijou suas mãos e derramou abundantes
lágrimas dizendo: "Eis as mãos que me criaram, elas dão testemunho a todos'. Depois
dirigiu-se ao Senhor, dizendo: "Vieste, ó Rei da Glória, para livrar os homens e integrá-los
ao teu reino eterno'. E nossa mãe Eva caiu de maneira semelhante aos pés do Senhor, e
levantando-se novamente, beijou suas mãos e derramou abundantes lágrimas enquanto
dizia: "Eis as mãos que me criaram, elas dão testemunho a todos".
"Então, todos os santos o adoraram e disseram aos brados: "Bendito o que vem em
nome do Senhor, o Senhor Deus iluminou-nos. Assim seja por todos os séculos. Aleluia por
todos os séculos: louvor, honra, virtude, glória, porque vieste do alto para visitar-nos'.
10E, cantando "aleluia' e regozijando-se de glória, acorriam ao Senhor. Então o Salvador
perscrutou à sua volta e mordeu o Inferno, e com a mesma rapidez com que havia
arremessado uma parte às profundezas do Tártaro, a outra subiu consigo aos céus.
"Então, os santos de Deus rogaram ao Senhor que deixasse nos Infernos o sinal da santa
cruz, sinal de vitória, para que seus perversos ministros não conseguissem reter nenhum
culpado que tivesse sido absolvido pelo Senhor. E assim se fez, e o Senhor colocou sua
cruz no meio do Inferno, que é sinal de vitória e lá permanecerá por toda a eternidade.
"Depois todos saímos dali na companhia do Senhor, deixando Satanás e o Inferno no
Tártaro. E nos enviou a nós e a muitos outros que havíamos ressuscitado com nosso corpo,
para dar testemunho da ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo e do que acontecera nos
Infernos.
11"Caríssimos irmãos, isto é o que vimos e testemunhamos, depois de termos sido
chamados por vós e o que testemunha aquele que morreu e ressuscitou por nós; porque da
forma como as coisas aconteceram, elas foram escritas com todos os detalhes."
E quando terminaram de ler o escrito, todos os que escutavam caíram com o rosto no
chão e puseram-se a chorar amargamente, enquanto batiam duramente no peito e diziam
aos gritos: "Ai de nós! Aonde chegamos com nossa desgraça? Foge Pilatos, fogem Anás e
Caifás, fogem os sacerdotes e levitas, fogem também o povo dos judeus dizendo entre
soluços: "Ai de nós! Derramamos sobre a terra sangue inocente'."
Assim, então, durante três dias e três noites não provaram nem do pão nem da água e
nenhum deles voltou à sinagoga. Mas ao terceiro dia, o conselho novamente se reuniu e leu
a carta de Lêucio na íntegra, e não se encontrou nela nem mais nem menos, nem sequer havia mudado uma só letra do escrito de Karino.
12Então turbou-se a sinagoga e todos choraram durante quarenta dias e quarenta noites, esperando a morte e a divina vingança
das mãos de Deus. Mas o altíssimo, que é todo piedade e misericórdia, não os aniquilou
para que pudesse oferecer-lhes uma oportunidade de arrependimento. Não foram dignos,
porém, de se converterem ao Senhor.
Caríssimos irmãos, estes são os testemunhos de Karino e de Lêucio sobre Cristo, Filho
de Deus, e de seus santos nos Infernos, a quem damos todas as graças e glória pelos
infinitos séculos dos séculos. Amém.
FIM