Capítulo 1
1Um Hebreu faz um hebreu e [o] chama desta maneira: "prosélito".
Mas um prosélito não faz outro prosélito: [alguns] são como [...] e criam
outros: [outros, todavia] se satisfazem com o fato de chegar a existir.
2O [escravo] apenas aspira a ser livre e não ambiciona os bens do seu
senhor; mas o filho não é só filho: reclama para si a herança do pai.
3Os que herdam dos mortos estão eles mesmos mortos e são herdeiros
de mortos. Os que herdam dos vivos vivem eles próprios e são herdeiros
de quem está vivo e de quem está morto. Os mortos não herdam de
ninguém, pois como pode herdar quem está morto? Se o morto herda de
quem está vivo, não morrerá. Antes, viverá com maior razão.
4Um homem pagão não morre, pois em verdade não viveu nunca, para
que logo [possa] morrer. Aquele que chegou a ter fé na verdade, esse
encontrou a vida e corre perigo de morrer, pois mantém-se vivo.
5A partir da vinda de Cristo, o mundo é criado, as cidades tomam-se
belas e desaparece tudo que havia fenecido.
6Enquanto éramos hebreus, estávamos órfãos; apenas possuíamos
nossa mãe. Mas ao fazer-nos cristãos, surgiram para nós um pai e uma
mãe.
7Os que semeiam no inverno colhem no verão. O inverno é o mundo; o
verão é o outro éon. Semeemos o mundo para que possamos colher no
verão! Ao inverno sucede o verão; mas quem se empenha em colher no
inverno, não terá colheita, terá de arrancar.
8Da mesma maneira que alguém como esse, ele [não] produzirá fruto;
e não só isso [...]: também no outro Sábado permanece [...] estéril.
9Cristo veio para resgatar alguns, para salvar outros e redimir outros.
Ele resgatou os forasteiros e os fez seus. Ele segregou os seus,
penhorando-os segundo sua vontade. Ao manifestar-se, não só se
desprendeu da lama quando lhe aprouve, como também, desde o dia em
que o mundo teve sua origem, a manteve deposta. Quando quis veio
recuperá-la, já que ela havia sido penhorada; havia caído em mãos de
ladrões e feita prisioneira. Mas Ele a libertou, resgatando os bons que
havia no mundo e os maus.
10A luz e as trevas, a vida e a morte, os da direita e os da esquerda são
irmãos entre si, sendo impossível separar uns dos outros. Por isso nem os
bons são bons, nem os maus são maus, nem a vida é vida, nem a morte é
morte. Assim é que cada um virá a dissolver-se em sua própria origem
desde o princípio; mas os que estão além do mundo são indissolúveis e
eternos.
Capítulo 2
1Os nomes que se dão às vibrações do mundo são susceptíveis de um
grande equívoco, pois distraem a atenção do estável para o instável. E,
assim, quem ouve (a palavra) "Deus" entende não o estável, mas o
instável. O mesmo ocorre com o "Pai", o "Filho", o "Espírito Santo", a
"Vida", e "Luz", a "Ressurreição", a "Igreja" e tantos outros; não se
entendem os conceitos estáveis, mas sim os instáveis, a não ser que se
conheçam de antemão os primeiros. Estes estão no mundo [...]; se
estivessem no éon nunca seriam citados no mundo nem estariam entre as
coisas terrenas; eles têm seu fim no éon.
2Só há um nome que não se pronuncia no mundo: o nome que o Pai
deu ao Filho. E superior a tudo. Trata-se do nome do Pai, pois o Filho não
chegaria a ser Pai se não se houvesse apropriado do nome do Pai. Quem
está de posse desse nome o entende, mas não fala dele; mas os que não
estão de posse dele não o entendem. A verdade criou diferentes nomes
neste mundo, porque sem eles é de todo impossível apreendê-la. A
verdade é única e múltipla por nossa causa, para ensinar-nos, através de
muitos este único nome por amor.
3Os Archontes quiseram enganar o homem, vendo que ele tinha
parentesco com os verdadeiramente bons: tiraram o nome dos que são
bons e o deram aos que não são bons, com o fito de enganar por meio dos
nomes e vinculá-lo aos que não são bons. Logo — no caso de que
queiram prestar-lhes um favor — farão que se separem dos que não são
bons e os integrarão entre os que são bons, que eles conheciam de antes.
Pois eles pretendiam raptar o que é livre e fazê-lo seu escravo para
sempre.
4Há Potências que [são] outorgadas ao homem [...], pois não quer que
este [chegue a salvar-se] para que elas consigam ser [...]; pois se o homem
[se salva], fazem-se sacrifícios [...] e se oferecem animais às Potências. [E
a estas] que se fazem tais oferendas, (que) no momento de ser ofertadas
estavam vivas, mas ao ser sacrificadas, morreram. O homem, de sua parte,
foi oferecido a Deus em estado de morte e viveu.
5Antes da vinda de Cristo não havia pão no mundo. O mesmo sucedia
no paraíso — lugar em que morava Adão — havia aí muitas árvores para
alimento dos animais, mas não havia trigo para alimentar o homem.
nutria-se como os animais. Mas Cristo — o perfeito — ao vir, trouxe pão
do céu para que o homem se alimentasse com alimento de homem.
6Os Archontes acreditavam que por sua força e por sua vontade
faziam o que faziam; mas era o Espírito Santo que operava ocultamente
em tudo, através deles, segundo sua vontade. Eles semeiam por toda parte
a verdade, que existe desde o princípio, e muitos a contemplam ao ser
semeada; mas poucos dos que a contemplam a colhem.
7Alguns dizem que Maria concebeu por obra do Espírito Santo. Fases
se equivocam, não sabem o que dizem. Quando alguma vez uma mulher
foi concebida de uma mulher? Maria é a virgem a quem Potência alguma
jamais manchou. Ela é um grande anátema para os judeus que são os
apóstolos e os apostólicos. Virgem que nenhuma Potência violou, [...
enquanto que] as Potências se contaminaram. O Senhor não [teria] dito:
"Pai meu que estás nos céus", se não tivesse outro pai; do contrário
haveria dito simplesmente: "[Pai meu]".
8O Senhor disse a seus discípulos: [...] "Entrai na casa do Pai, mas
não tomeis nem leveis nada da casa do Pai".
9"Jesus" é um nome secreto, "Cristo" é um nome público. Por isso
"Jesus" não existe em língua alguma, apenas seu nome é "Jesus", como
geral-mente é chamado. "Cristo", todavia — pelo que diz respeito ao seu
nome em siríaco —, é Messias, do mesmo modo que em grego e em
outras línguas, com as necessárias adequações. "O Nazareno" é [o nome]
que está manifestado no oculto.
10Cristo encerra tudo em si mesmo — seja "homem", seja "anjo", seja
"mistério" —, incluindo o Pai.
Os que dizem que o Senhor primeiro morreu e depois ressuscitou,
enganam-se, pois primeiro ressuscitou e depois morreu.
11Se alguém não
consegue primeiro a ressurreição não morrerá; tão verdade quanto Deus
vive, este [morrerá].
12Ninguém esconde um objeto grande e precioso em um recipiente
grande, mas muitas vezes se guardam tesouros sem conta em um cofre
que não vale mais do que um maravedi. Isso ocorre com a alma: é um
objeto precioso que veio cair em um corpo desprezível.
Capítulo 3
1Há os que têm medo de ressuscitar nus e por isso querem ressuscitar
em carne. Estes não sabem que os que estão revestidos de carne são os
nus. Aqueles que [ousam] desnudar-se são precisamente [os que] não
estão nus. "Nem a carne [nem o sangue] herdarão o reino [de Deus]".
Qual é a [carne] que não vai herdar? A que usamos por cima de nós. E
qual, ao contrário, é a carne que herdará? A [carne] de Jesus e seu sangue.
2Por isso disse Ele: "Aquele que não come minha carne e não bebe meu
sangue não tem vida em si." E que é isso? Sua carne é o Logos [verbo] e
seu sangue é o Espírito Santo. Quem recebeu tais coisas possui alimento,
bebida e roupa. Eu recrimino os outros que afirmam que [a carne] não vai
ressuscitar, pois uns e outros estão errados.
3Tu dizes que a carne não
ressuscitará. Diz-me então o que é que vai ressuscitar, para que possamos
aplaudir-te. Tu dizes que o Espírito [está] dentro da carne e que também
esta luz está dentro da carne. Mas o Logos é esse outro que também está
dentro da carne, pois — qualquer das coisas a que te refiras — nada
poderás aduzir que se encontre fora do interior da carne. E, pois,
necessário ressuscitar nesta a carne, já que nela tudo está contido.
4Neste mundo, aqueles que vestem uma roupa valem mais do que a
própria roupa. No reino dos céus, [todavia,] valem mais as roupas que
aqueles que as vestem, pois são de água e fogo, que a tudo purificam.
5Os que estão manifestados [o estão] graças aos que estão
manifestados e os que estão ocultos o estão graças aos que estão ocultos.
Há quem [se mantém] oculto graças aos que estão manifestados. Há água
na água e fogo na unção.
6Jesus ocultou-se de todos, pois não se manifestou como era
integralmente, e sim dentro das possibilidades de cada um. Assim é que
apareceu [o..] grande aos grandes, pequeno aos pequenos, como anjo aos
anjos e como homem aos homens. Por isso seu Logos se manteve oculto a
todos.
7Alguns o viram e acreditavam que se viam a si mesmos; mas
quando se manifestou gloriosa-mente aos seus discípulos sobre a
montanha, não era peque-no: se havia feito grande e fez grandes seus
discípulos para que estivessem em condições de vê-lo grande [a Ele
mesmo]. E disse naquele dia na ação de graças: "Tu que uniste o perfeito
e a luz com o Espírito Santo, une também os anjos conosco, com as
imagens".
8Não desprezeis o Cordeiro, pois sem ele não é possível ver o rei.
Ninguém poderá pôr-se a caminho para o rei estando nu.
9Mais numerosos são os filhos do homem celestial que os do homem
terreno. Se são numerosos os filhos de Adão — apesar de mortais —
quanto mais os filhos do homem perfeito, que não só não morrem como
são engendrados ininterruptamente.
10O pai faz um filho e o filho não tem possibilidade de fazer por sua
ver um filho: pois quem foi engendrado não pode engendrar, e o filho
procura ir-mãos, não filhos.
11Todos os que são engendrados no mundo são engendrados pela
natureza, o resto pelo [espírito]. Os que são engendrados por este [dão
gritos] ao homem daqui de baixo [para...] da promessa [...] de cima.
12[Aquele que...] pela boca; [se] o Logos tivesse saído dali se
alimentaria pela boca e seria perfeito. Os perfeitos são fecundados por um
beijo e engendram. Por isso nós nos beijamos uns aos outros [e]
recebemos fecundação pela graça que nos é comum.
Capítulo 4
1Três [eram as que] caminhavam continuamente com o Senhor: sua
mãe Maria, a irmã desta e Madalena, a quem se designa como sua
companheira. Maria é, de fato, sua irmã, sua mãe e companheira.
2"Pai" e "Filho" são nomes simples; "Espírito Santo" é um nome
composto. Aqueles se encontram em toda parte: acima, abaixo, no oculto
e no manifestado. O Espírito Santo está revelado, abaixo, acima, e no oculto.
3As Potências malignas estão ao serviço dos santos, depois de
haverem sido reduzidas à cegueira pelo Espírito Santo, para que cressem
que serviam a um homem e que assim estariam atuando em favor dos
santos. Por isso [quando] um dia um discípulo pediu ao Senhor uma coisa
do mundo — Ele lhe disse: "Pede a tua mãe e ela te fará partícipe das
coisas alheias".
4Os apóstolos disseram a seus discípulos: "Que toda nossa oferenda
procure sal ela própria." Eles designavam por "sal" a [a Sofia], pois sem
ela nenhuma oferenda é aceitável.
5A Sofia é estéril, [sem] filhos, por isso [também] é chamada de "sal".
No lugar em que aqueles [...] à sua maneira [é] o Espírito Santo; [por isso]
são numerosos seus filhos.
6O que o Pai possui pertence ao filho, mas enquanto este é pequeno
não se lhe confia o que é seu. Quando se faz homem, então dá-lhe o pai
tudo quanto possui.
7Quando os engendrados pelo espírito erram, erram também por ele.
Pela mesma razão um mesmo sopro atiça o fogo e o apaga.
8Uma coisa é "Echamoth", outra é "Echmoth". Echamoth é a Sofia
por antomásia, enquanto que Echmoth é a Sofia da morte, aquela que
conhece a morte, a quem chamam "Sofia a pequena".
9Há animais que vivem submetidos ao homem, tais como as vacas, o
burro e outros semelhantes. Há outros, todavia, que não se submetem e vivem sozinhos, em paragens desertas. O homem ara o campo com animais
domésticos e assim se alimenta a si mesmo e aos animais, tanto aos que se
submetem como aos que não se submetem. O mesmo se passa com o
homem perfeito: com [a ajuda das] Potências que lhe são dóceis, ara [e]
cuida para que todos subsistam.
10Por isso mantém o equilíbrio, quer se
trate dos bons, quer dos maus, dos que estão à direita e dos que estão à
esquerda. O Espírito Santo apascenta a todos e exerce seu domínio sobre
[todas] as Potências, tanto sobre as dóceis quanto sobre as [indóceis] e
solitárias, pois ele [...] as prende para que [...] quando queiram.
11[Se Adão] foi criado [...], estarás de acordo em que seus filhos são
obras nobres. Se ele não houvesse sido criado, mas sim engendrado,
estarias também de acordo em que sua posteridade é nobre. Pois bem, ele
foi criado e [por sua vez] engendrou. Que nobreza isto pressupõe!
12Primeiro houve adultério e depois [veio] o assassino engendrado no
adultério, pois era o filho da serpente. Por isso se tomou homicida como
seu pai e matou seu irmão. Pois bem, toda relação sexual entre seres não
semelhantes entre si é adultério.
Capítulo 5
1Deus é tintureiro. Assim como a boa tinta — chamada de "autêntica"
— só desaparece quando as coisas que com ela são tingidas se
corrompem, o mesmo ocorre com aqueles a quem Deus tingiu: posto que
sua tinta é imperecível, graças a ela eles mesmos se tomam imortais. Pois
bem, Deus batiza os que batiza com água.
2Ninguém pode ver quem quer que seja estável a não ser que ele
mesmo se assemelhe ao estável. Com a verdade não ocorre o mesmo que
com o homem enquanto se encontra neste mundo, pois ele vê o sol sem
ser o sol e contempla o céu e a terra e todas as outras coisas sem serem
elas mesmas.
3Tu, ao contrário, viste algo daquele lugar e te converteste
naquelas coisas que havias visto: viste o espírito e te fizeste espírito; viste
Cristo e te fizeste Cristo; viste [o Pai] e te fizeste pai. Por isso,tu [aqui]
vês todas as coisas e não [te vês] a ti próprio; mas [ali], sim, te verás, pois
[chegarás a ser] o que estás vendo.
4A fé recebe, o amor dá. [Ninguém pode receber] sem a fé; ninguém
pode dar sem amor. Por isso creiamos, para poder receber; mas, para
poder dar de verdade [temos de amar também]; pois se alguém dá, mas
não por amor, não tira utilidade alguma do que deu.
5Os apóstolos, antes de nós, o chamaram assim: "Jesus o Nazareno,
Messias" — que quer dizer "Jesus o Nazareno, o Cristo". O último nome é
"O Cristo"; o primeiro, "Jesus"; o do meio é o "o Nazareno". "Messias"
tem um duplo significado: "o Cristo" e "o Medido". "Jesus", em hebraico,
é "a Redenção. O Cristo foi medido: o Nazareno e o Jesus são os que
foram medidos.
6Se se atira a pérola ao monturo, nem por isso ela perde seu valor.
Tampouco se faz mais preciosa ao ser tratada com ungüento de bálsamo,
mas aos olhos do proprietário conserva sempre o seu valor. O mesmo
ocorre com os filhos de Deus onde quer que estejam, pois conservam
sempre seu valor aos olhos do Pai.
7Se dizes "sou judeu", ninguém se inquietará; se dizes "sou grego",
bárbaro, escravo ou livre, ninguém se perturbará. [Mas se dizes] "sou
cristão", [todo mundo] começará a tremer. Oxalá possa eu [...] este signo
que E...1 não são capazes de suportar [...] esta denominação!
8Deus é antropófago, por isso se lhe [oferece] o homem [em
sacrifício]. Antes que o homem fosse imolado se imolavam animais, pois
não eram deuses aqueles a quem se faziam sacrifícios.
9Tanto as vasilhas de vidro como as de argila se fazem à base de
fogo. As de vidro podem ser remodeladas se rompem, pois foram
fabricadas por um sopro. As de argila, ao contrário, se rompem ficam
destruídas definitivamente, pois nenhum sopro interveio em sua
fabricação.
10Um asno, dando voltas em tomo de uma roda de moinho, caminhou
cem milhas, e quando o desjungiram ainda se encontrava no mesmo lugar.
Existem homens que fazem muito caminho sem se mover um passo em
direção alguma. Ao se verem surpreendidos pelo crepúsculo não
chegaram a divisar cidades, nem aldeias, nem criaturas, nem natureza,
nem potência ou anjo. Em vão se esforçaram, os pobres!
11A Eucaristia é Jesus, pois a este se chama em siríaco "Pharisata",
que quer dizer "aquele que está estendido" o Jesus veio, realmente, a
crucificar o mundo.
Capítulo 6
1O Senhor foi à tinturaria de Levi, tomou setenta e duas cores e
atirou-as na tina. Depois tirou-as todas tingidas de branco e disse: "Assim
foi que as tomou o filho do filho do homem [...].
2A Sofia — a quem chamam "a estéril" — é a mãe dos anjos: a
companheira [de Cristo é Maria] Madalena. [O Senhor amava Maria]
mais do que a todos os discípulos [e] abraçou repetidas] vezes.
O demais [...] lhe disseram: `Par que a queres mais que a todos nós"? O
Salvador respondeu-lhes disse: "A que se deve isso que não vos quero
tanto quanto a ela"?
3Um cego e um que vê-se se encontrarem ambos às escuras — não se
distinguem um do outro; mas quando chegarem à luz o que vê será a luz
enquanto que o cego permanecerá na obscuridade.
4Disse o Senhor: "Bem-aventurado é aquele que é antes de chegar a
existir, pois que é, era e será".
5A superioridade do homem não é patente e sim oculta. Por isso
domina as besta que são mais fortes do que ele e de grande tamanho —
tanto na aparência quanto na realidade — e proporciona-lhes subsistência.
6Mas quando deixa, elas se matam umas às outras e se mordem até
devorar-se mutuamente por não achar o que comer. Mas agora — uma
vez que o homem trabalhou a terra — encontraram seu sustento.
7Se alguém - depois de baixadas as águas — sai dela; sem nada haver
recebido e diz "sou cristão", [somente] ter recebido este nome de
empréstimo. Mas, se recebe o Espírito Santo, fica de posse do (citado)
nome a título de doação. Nada se tira de quem recebeu um presente, mas
reclama-se a devolução do empréstimo a quem o recebeu.
8O mesmo ocorre quando alguém foi [...] em um mistério. O mistério
do matrimônio [é] grande, pois [sem ele] o mundo não existiria. A
consistência [do mundo depende do homem], a consistência [do homem
depende do] matrimônio. Reparai na união [sem mancha]. pois tem [um
grande] poder. Sua imagem está vinculada à poluição [corporal].
9Entre os espíritos impuros existem machos e fêmeas. Os machos são
aqueles que copulam com as almas que estão alojadas em uma figura
feminina. As fêmeas, ao contrário, são aquelas que estão unidas com os
que se abrigam em um figura masculina por culpa de uma desobediente.
10E ninguém poderá fugir desses espíritos se cair em poder deles, a não ser
que seja dotado simultaneamente de uma força masculina e outra
feminina — isto é, esposo e esposa — provenientes da câmara nupcial em
imagem. Quando as mulheres néscias descobrem um homem solitário
lançam-se sobre ele, gracejam com ele e o mancham.
11O mesmo ocorre
com os homens néscios: se descobrem um mulher formosa que vive só
procuram insinuar-se e até forçá-la, com o fito de violá-la. Mas se vêem
que homem e mulher vivem juntos, nem as fêmeas podem aproximar-se
do macho nem os machos das fêmeas. O mesmo acontece se a imagem e o
anjo estão unidos entre si: ninguém se atreverá tampouco a se acercar do
homem ou da mulher.
12Aquele que sai do mundo não pode cair preso pela
simples razão de que [já] esteve no mundo. Está claro que este é superior
à concupiscência [...e ao] medo; é senhor de seus [...] e mais freqüente
que os ciúmes. Mas se [se trata de...], prendem-no e o sufocam, e como
poderá [este] fugir de [...] e pôr-se em condições de [...]? [Com freqüência
vêm] alguns [e dizem] "nós somos crentes", [a fim de escapar de...e]
demônios. Se estes tivessem estado de posse do Espírito Santo, nenhum
espírito imundo teria aderido a eles.
Capítulo 7
1Não tenhas medo da carne nem a ames: se a temeres, assenhorear-se á de ti; se a amares, te devorará e entorpecerá.
2Ou se está neste mundo, ou na ressurreição, ou em locais
intermediários. Queira Deus que a mim não me encontrem nestes! Neste
mundo há coisas boas e coisas más. Mas há algo mau depois deste mundo
que é na verdade pior e que chamam o "Intermédio", que dizer, a morte.
3Enquanto estivermos neste mundo é conveniente que nos esforcemos por
conseguir a ressurreição, para que — uma vez que deponhamos a carne
nos achemos no descanso e não tenhamos de ir errando no "Intermédio".
4Muitos, realmente, erram o caminho. E, pois, conveniente sair deste
mundo antes que o homem haja pecado.
Alguns nem querem nem podem; outros, ainda que queiram, de nada
lhes serve por não terem feito. De maneira que um [simples] "querer" os
faz pecadores, do mesmo modo que um "não querer". A justiça se
esconderá de ambos. O "querer" [é...], o "fazer", não.
5Um discípulo dos apóstolos viu em uma visão algumas [pessoas]
encerradas em uma casa em chamas, acorrentadas com grilhões de fogo e
atiradas [em um mar] de fogo. [E diziam...] água sobre [...]. Mas estes
replicavam que — muito contra sua vontade — [não] estavam em
condições de [as] salvar. Eles receberam [a morte como] castigo, aquela
que chamam de "treva [exterior]" por [ter sua origem] na água e no fogo.
6A [alma] e o espírito chegaram à existência partindo de água, fogo e
luz [por mediação] do filho da câmara nupcial. O fogo é a unção, a luz é o
fogo; não estou falando desse fogo que não possui forma alguma, mas do
outro cuja forma é branca, que é refulgente e belo e irradia [por sua vez] formosura.
7A verdade não veio nua a este mundo, mas envolta em símbolos e
imagens, já que de outra maneira não poderia ser recebida. Há uma
regeneração e uma imagem de regeneração. E na verdade necessário que
se renasça através da imagem. Que é a ressurreição? E preciso que a
imagem ressuscite pela imagem; é preciso que a câmara nupcial e a
imagem através da imagem entrem na verdade que é a restauração final.
8E conveniente [tudo isto] para aqueles que não apenas recebem, mas que
fizeram seu por méritos próprios o nome do Pai e do Filho e do Espírito
Santo. Se uma pessoa não os obtém por si mesma, até o próprio nome lhe
será arrebatado.
9Pois bem, esses nomes se conferem na unção com o
bálsamo da força E...1 que os apóstolos chamavam "a direita" e "a
esquerda". Pois alguém assim não é mais um [simples] cristão, mas um
Cristo.
10O Senhor [realizou] todo um mistério: um batismo, uma unção, uma
eucaristia, uma redenção e uma câmara nupcial.
[O Senhor] disse: "Vim fazer [as coisas inferiores] como as
superiores [e as externas] como as [internas, para uni-las] todas no lugar".
11[Ele se manifestou aqui] através de símbolos [...]. Aqueles, pois, que
dizem: "[...] há quem está em cima [...]", se enganam, [pois] o que se
manifesta [...] é o que chamam o "de baixo" e o que possui o oculto está
em cima dele. Com razão, pois se fala da "parte interior" e da "exterior" e
"da que está fora da exterior". E assim o Senhor chamava a perdição de
"treva exterior, fora da qual nada há".
12Ele disse: "Meu Pai que está
escondido", e também: "Entra em tua habitação, fecha a porta e ora a teu
Pai que está escondido", justo é, "o que está no interior de todos eles".
Pois bem, o que está dentro deles é a Pleroma: mais interior do que ela
não existe nada. Este é precisamente aquele de quem se diz: "Está por
cima deles".
Capítulo 8
1Antes de Cristo saíram alguns do lugar a que não haveriam de voltar
a entrar e entraram no lugar de onde não haveriam de voltar a sair. Mas
Cristo, com sua vinda, tirou para fora os que haviam entrado e pôs para
dentro os que haviam saído.
2Enquanto Eva estava [dentro de Adão; não existia a morte, mas
quando se separou [dele] sobreveio a morte. Quando esta retomar e ele a aceitar, deixará de existir a morte.
3"Deus meu! Deus meu! Por que Senhor, tanto me glorificas?" Isto
disse Ele sobre a cruz depois de separar este Pai lugar [de tudo que] havia
sido engendrado por [...] através de Deus. [O Senhor ressuscitou] de entre
os mortos [...]. Mas seu corpo era perfeito: [tinha, sim,] uma carne, mas
esta [era uma carne] de verdade. [Nossa carne, ao contrário], não é
autêntica, [mas] uma imagem da verdadeira.
4A câmara nupcial não é feita para as bestas nem para os escravos
nem para as mulheres sem honra, e sim para os homens livres e para as
virgens.
5Em verdade, somos engendrados pelo Espírito Santo mas
reengendrados por Cristo. Em ambos os [casos] somos também ungidos
pelo espírito e — ao ser engendrados —, fomos unidos também.
6Sem luz ninguém poderá contemplar-se a si mesmo, nem em uma
superfície de água nem em um espelho; mas se não tens água ou espelho
— ainda que tenhas luz —, tampouco poderás contemplar-te. Por isso é
necessário batizar-se com duas coisas: com a luz e com a água. Pois bem,
a luz é a unção.
7Três eram os lugares em que se faziam oferendas em Jerusalém: um,
que se abria para o Poente, chamado o "Santo"; outro, aberto para o Sul,
chamado o "Santo do Santo", e o terceiro, aberto para o Oriente, chamado
o "Santo dos Santos", por onde só podia entrar o Sumo Sacerdote.
8O batismo é o "Santo", [a redenção] é o "Santo do Santo", enquanto que a
câmara nupcial é o "[Santo] dos Santos". [O batismo] traz consigo a
ressurreição [e a] redenção, mas esta se realiza na câmara nupcial. Mas a
câmara nupcial encontra-se na cúpula [de...]. Tu não serás capaz de
encontrar [...] aqueles que fazem oração [...] Jerusalém [...] Jerusalém [...]
Jerusalém [...] chamada `Santo dos Santos" [...] o véu [...] a câmara
nupcial, mas sim a imagem [...]. Seu véu rasgou-se de alto a baixo, pois
era preciso que alguns subissem de baixo para cima.
9Aqueles que se vestiram da luz perfeita não podem ser vistos pelas
Potências nem detidos por elas. Pois bem, podemos revestir-nos desta luz
no sacramento, na união.
10Se a mulher não se houvesse separado do homem,não teria morrido
com ele. Sua separação tomou-se o começo da morte. Por isso veio Cristo,
para anular a separação que existia desde o princípio, para unir a ambos e
para dar a vida àqueles que haviam morrido na separação e uni-los de
novo.
11Pois bem, a mulher se une com o marido na câmara nupcial. A alma de Adão chegou à existência por um sopro. Seu cônjuge é o
[espírito; o espírito] que lhe foi dado é sua mãe [e com] a alma lhe foi
outorgado [...] em seu lugar. Ao unir. se [pronunciou] algumas palavras
que são superiores às Potências. Estas tiveram-lhe inveja [...] união
espiritual [...].
12Jesus manifestou [sua glória no] Jordão. A plenitude do reino dos
céus, que [preexistia] ao Todo, nasceu ali de novo. O que antes [havia
sido] ungido, foi ungido de novo. O que havia sido redimido, por sua vez
redimiu
Capítulo 9
1Digamos — se é permitido — um segredo: o Pai do Todo se uniu
com a virgem que havia descido e um fogo o iluminou naquele dia. Ele
deu a conhecer a grande câmara nupcial, e por isso seu corpo — que teve
origem naquele dia — saiu da câmara nupcial como quem tivesse sido
engendrado pelo esposo e a esposa. E também, graças a estes,
encaminhou Jesus o Todo a ela, sendo preciso que todos e cada um dos
seus discípulos entrem em seu lugar de repouso.
2Adão deve sua origem a duas virgens, isto é, ao Espírito e à terra
virgem. Por isso Cristo nasceu de uma Virgem, para reparar a queda que
ocorreu no princípio.
3Duas árvores há no [centro do] paraíso: uma produz [animais],
outros homens. Adão [comeu] da árvore que produzia animais e se
converteu ele próprio em animal e engendrou animais. Por isso os [filhos]
de Adão adoram [os animais]. A árvore [cujo] fruto [Adão comeu] é [a
árvore do conhecimento]. [Por] isso multiplicaram-se [os pecados]. [Se
ele houvesse] comido [o fruto da outra árvore, quer dizer], o fruto da
[árvore da vida, que] produz homens, [então os deuses adorariam] o
homem. Deus fez [o homem] e o homem faria Deus.
4O mesmo ocorre no mundo: os [homens] produzem deuses e adoram
a obra de suas mãos. Seria conveniente que os deuses venerassem os
homens, como corresponde à lógica.
86 As obras do homem provêm de sua potência: por isso são chamadas as "Potências".
5Obras suas são também seus filhos, procedentes de um
repouso. Por isso sua potência se origina das suas obras, enquanto que o
repouso se manifesta em seus filhos. E estarás de acordo em que isto diz
respeito à [própria] imagem. Assim, pois, aquele é um homem modelo,
que realiza sua obra por sua força mas engendra seus filhos no repouso.
6Neste mundo os escravos servem aos livres; no reino dos céus, os
livres servirão aos escravos, [e] os filhos da câmara nupcial aos filhos do
matrimônio. Os filhos da câmara nupcial têm um nome [...]. O repouso [é
comum] a ambos: não têm necessidade de [...].
[... ] Cristo baixou à água [...] para redimi-la; [...] aqueles que Ele [...
] por seu nome. Pois Ele disse: "[E conveniente] que cumpramos tudo
aquilo que é justo".
7Os que afirmam que primeiro é preciso morrer e depois ressuscitar
se enganam. Se não se recebe primeiro a ressurreição em vida, nada se
receberá ao morrer. Nestes termos se expressam também acerca do
batismo, dizendo: "Grande coisa é o batismo, pois quem o recebe viverá".
8O apóstolo Felipe disse: "José o carpinteiro plantou um viveiro
porque necessitava de madeira para o seu oficio. Ele foi quem construiu a
cruz com as árvores que havia plantado. Sua semente ficou aderida ao que
ele havia plantado. Sua semente era Jesus, e a cruz, a árvore".
Capítulo 10
1Mas a árvore da vida está no centro do paraíso, e também a oliveira,
de que procede o óleo graças a qual [chegou-nos] a ressurreição.
2Este mundo é necrófago: tudo que nele se come [se ama também]. A
verdade, ao contrário, se nutre da vida, [por isso] nenhum dos que [dela]
se alimentam morrerá. Jesus veio [do outro] lado e trouxe alimento [dali].
Aos que desejavam deu Ele [vida para que] não morressem.
3[Deus plantou um] paraíso; o homem [viveu no] paraíso [o..]. Este
paraíso [é o lugar onde me dirão: ["Homem, come] disto ou não comas
[disto, conforme teu] desejo”. Esse é o lugar onde comerei de tudo, já que
ali se encontra a árvore do conhecimento. Esta causou a morte de Adão e
deu, ao invés, vida aos homens.
4A lei era a árvore: esta tem a propriedade
de facilitar o conhecimento do bem e do mal, mas nem afastou [ao
homem] do mal nem o confirmou no bem, senão que trouxe consigo a
morte para todos aqueles que dela comeram. Pois ao dizer: "Comei isto,
não comais isto", transformou-se em princípio da morte.
5A unção é superior ao batismo, pois é por ela que recebemos o nome
de cristãos, não pelo batismo. Também Cristo foi chamado assim pela
unção, pois o Pai ungiu o Filho, o Filho aos apóstolos e estes nos ungiram
a nós. Quem recebeu a unção está de posse do Todo: da ressurreição, da
luz, da cruz e do Espírito Santo. O Pai outorgou-lhe tudo isso na câmara
nupcial. O Pai [o] recebeu.
6O Pai colocou sua morada no [Filho] e o Filho no Pai: isto é o reino
dos céus. Com razão disse o Senhor: "Alguns entraram sorrindo no reino dos
céus e saíram [...]". Um cristão [...] e imediatamente [desceu] à água e
subiu [sendo senhor do] Todo; [não] porque pensava que era uma
zombaria, mas [porque] desprezava isto [como indigno do] reino [dos
céus]. Se [o] despreza o toma como zombaria, [sairá dali] rindo.
7O mesmo ocorre com o pão, o cálice e o óleo, se bem que haja outro
[mistério] que é superior a este. O mundo foi criado por culpa de uma transgressão, pois aquele que
o criou queria fazê-lo imperecível e imortal mas caiu e não pôde realizar
suas aspirações.
8De fato não havia incorruptibilidade nem para o mundo
nem para quem o havia criado, já que incorruptíveis não são as coisas mas
os filhos, e nenhuma coisa poderá ser perdurável a não ser que se faça
filho, pois como poderá dar quem não está com disposição para receber?
9O cálice da oração contém vinho e água, porque serve de símbolo
do sangue, sobre o qual se faz a ação de graças. Está cheio do Espírito
Santo e pertence ao homem inteiramente perfeito. Ao bebê-lo faremos
nosso o homem perfeito.
10A água é um corpo. É preciso que nos revistamos do homem
vivente: por isso, quando nos dispomos a descer à água, temos de nos
desnudar para podermos vestir-nos com ele.
11Um cavalo engendra um cavalo, um homem engendra um homem e
um deus engendra um deus. O mesmo ocorre com o esposo e [a esposa:
seus filhos] tiveram sua origem na câmara nupcial. Não houve judeus
[que descendessem] de gregos [enquanto] estava em vigor [a Lei. Nós,
entretanto, descendemos de] judeus [apesar de] cristãos [...]. Estes foram
chamados [...] "povo escolhido" de [...] e "homem verdadeiro" e "Filho do
homem" e "semente do Filho do homem". Esta é a que o mundo chama de
"a raça autêntica".
12Estes são do lugar onde se encontram os filhos da câmara nupcial.
A união é constituída neste mundo por homem e mulher, sede da força e
da debilidade; no outro mundo a forma de união é muito diferente.
13Nós os chamamos assim mas outras denominações superiores a
qualquer dos nomes que se possam dar-lhes e superiores à [própria]
violência. Os de lá não são um e outro, mas ambos são um só. O daqui é
aquele que nunca poderá ultrapassar o sentido carnal.
Capítulo 11
1Não é preciso que todos os que se encontram de posse do Todo se
conheçam a si mesmos inteiramente. Alguns dos que não se conhecem a
si mesmos não gozarão, é verdade, das coisas que possuem. Mas os que
houverem alcançado o próprio conhecimento, esses, sim, gozarão delas.
2O homem perfeito não só não poderá ser detido como nem sequer
poderá ser visto, pois se o vissem o reteriam. Ninguém estará em
condições de conseguir de outra maneira esta graça, a [não] ser que se
revista da luz perfeita e [se converta em homem] perfeito. Todo aquele
que [se houver revestido dela] caminhará [...]: esta é a [luz] perfeita.
3[E preciso] que nos façamos [homens perfeitos] antes de sairmos
[do mundo]. Quem recebeu o Todo [sem ser senhor] destes lugares [não]
poderá [dominar] naquele lugar; em vez disso, [irá parar no lugar]
intermediário como imperfeito. Só Jesus conhece o fim deste.
4O homem santo o é inteiramente, até mesmo no que toca a seu
corpo, posto que se ao receber o pão ele o santifica — do mesmo modo
que santifica o cálice ou qualquer outra coisa que recebe — como não fará
santo também ao corpo?
5 Da mesma maneira que Jesus [fez] perfeita a água do batismo,
também liquidou a morte. Por isso nós descemos — é verdade — até a
água, mas não baixamos até a morte, para não ficarmos submersos no
espírito do mundo. Quando este sopra faz sobrevir o inverno, mas quando
é o Espírito que sopra faz-se verão.
6Quem possui o conhecimento da verdade é livre; pois bem, quem é
livre não peca, já que só peca quem é escravo do pecado. A mãe é a
verdade, enquanto que o conhecimento é o pai. Aqueles aos quais não é
permitido pecar, o conhecimento da verdade eleva os corações, isto é, os
faz livres e os põe acima de todos os lugares.
7O amor,por seu lado,
edifica, mas aquele que foi feito livre pelo conhecimento se faz de escravo
por amor àqueles que ainda não chegaram a receber a liberdade do
conhecimento; então este os capacita para fazer-se livres. [O] amor [não
se apropria] de nada, pois como [irá apropriar-se de algo, se tudo] lhe
pertence? Não [diz "isto é meu') ou "aquilo me pertence", [mas diz "isto é]
teu".
8O amor espiritual é vinho e bálsamo. Dele gozam os que se deixam
ungir com ele, mas também aqueles que são alheios a estes, desde que os
ungidos continuem [ao seu lado]. No momento em que os que foram
ungidos com bálsamo deixarem de [ungir-se] e partirem, ficam exalando
de novo mau odor os não ungidos que apenas estavam junto a eles. - O
samaritano não deu ao ferido mais do que vinho e azeite. Isso outra coisa
não é se não a unção. E [assim] curou as feridas, pois o amor cobre
inúmeros pecados.
9Os [filhos] que uma mulher dá à luz se parecem àquele que a ama.
Se é o seu marido, parecem-se ao marido; se um adúltero, se parecem ao
adúltero. Sucede também com freqüência que quando uma mulher se deita
com seu marido por necessidade — enquanto seu coração está ao lado do
adúltero com quem mantém relações — dá à luz o que tem de dar à luz
com a aparência do amante. Mas vós, que estais em companhia do Filho
de Deus, não ameis ao mundo e sim ao Senhor, de maneira que aqueles
que vierdes engendrar não se pareçam com o mundo mas com o Senhor.
10O homem copula com o homem, o cavalo com o cavá-lo, o asno
com o asno: as espécies copulam com seus semelhantes. Desta mesma
maneira se une o espírito com o espírito, o Logos com o Logos [e a luz
com a luz. Se tu] te fazes homem, [é o homem quem te] amará; se te fazes
[espírito], é o espírito que se unirá contigo; se te fazes como um dos de
cima, são os de cima que virão repousar sobre ti; se te fazes cavalo, asno,
cão, vaca, ovelha ou qualquer dos animais que estão fora e que estão
abaixo, não poderás ser amado nem pelo homem, nem pelo espírito, nem
pelo Logos, nem pela luz, nem pelos de cima, nem pelos do interior.
11Estes
não poderão vir repousar dentro de ti e tu não farás parte deles.
quele que é escravo contra a sua vontade poderá chegar a ser
livre. Aquele que depois de haver alcançado a liberdade pela graça do seu
senhor se vendeu a si mesmo novamente como escavo, não poderá voltar
a ser livre.
12A agricultura [deste] mundo está baseada em quatro elementos:
colhe-se partindo de água, terra, vento e luz. Também a economia de
Deus depende de quatro elementos: fé, esperança, amor e conhecimento,
Nossa terra é a fé, na qual deitamos raízes; a água é a esperança, da qual
nos [alimentamos]; o vento é o amor, pelo [qual] crescemos; a luz [é] o
conhecimento, pelo [qual] amadurecemos.
13A graça é [...] o lavrador são [...] por cima do céu. Bem-aventurado
é aquele que não atribulou uma alma. Este é Jesus Cristo. Ele veio ao
encontro de todos os lugares sem onerar a ninguém. Por isso é feliz aquele
que é assim, pois é um homem perfeito, já que é o Logos.
14Perguntai-nos a respeito dele, pois é difícil expô-lo adequadamente.
Como seremos capazes de realizar esta grande obra?
Como se irá conceder descanso a todos? Antes de mais nada, não
se deve causar tristeza a ninguém, grande ou pequeno, crente ou não
crente. Depois, há que proporcionar descanso àqueles que repousam no
bem.
15Há pessoas que podem proporcionar descanso ao homem de bem.
Ao que pratica o bem não lhe é possível proporcionar descanso a estes,
pois não está em suas mãos; mas tampouco lhe é possível causar tristeza,
ao não dar oportunidade a que eles sofram angústia. Mas o homem de
bem às vezes lhes causa aflição. E não é que o faça deliberadamente, mas
é a sua própria maldade o que os aflige. Aquele que possui uma natureza
adequada causa prazer a quem é bom, mas alguns se afligem por isso ao
extremo.
Capítulo 12
1Um chefe de família se proveu de tudo: filhos, escravos, [gado],
cães, porcos, trigo, cevada, palha, feno, [ossos], carne e bolotas. Era
inteligente e conhecia o alimento (adequado) para cada qual. Aos filhos
ofereceu pão, [azeite e carne]; aos escravos, azeite de rícino [e] trigo; aos
animais [deu cevada], palha e feno; [aos] cães, ossos; [aos porcos] deu
bolotas e [restos de] pão.
2O mesmo ocorre com o discípulo de Deus: se é
inteligente, compreende o que é ser discípulo. As formas corporais não
serão capazes de enganá-lo; ele se fixará na disposição de ânimo de cada
qual e [assim] falará com ele.
3Há muitos animais no mundo que têm
forma humana. Se fores capaz de reconhecê-los, deitarás bolotas aos
porcos, enquanto que ao gado darás cevada, palha e feno; aos cães, ossos,
aos escravos distribuirás alimentos rudimentares e aos filhos, o perfeito.
4Há um Filho do homem e há um filho do Filho do homem. O
Senhor é o Filho do homem, e o filho do Filho do homem é aquele que foi
feito pelo Filho do homem. O Filho do homem recebeu de Deus a
faculdade de criar. E ele tem [também] a de engendrar.
5Quem recebeu a faculdade de criar é uma criatura; quem recebeu a
de engendrar é um engendrado. Quem cria não pode engendrar, quem
engendra não pode criar. Costuma dizer-se que "quem cria engendra",
mas o que engendra é uma criatura. Por [isso] os que foram engendrados
por ele não são seus filhos, mas [...]. O que cria atua [visivelmente] e ele
mesmo permanece oculto: [...] a imagem. Aquele que cria [o faz]
abertamente, mas o que engendra [engendra] filhos ocultamente.
6[Ninguém poderá] saber nunca qual é [o dia em que o homem] e a
mulher copulam — fora deles mesmos —, uma vez que as núpcias d[este]
mundo são um mistério para aqueles que tomaram mulher. E se o
matrimônio da poluição permanece oculto, tanto mais constituirá
verdadeiro mistério o casamento impoluto.
7Este não é carnal, mas puro;
não pertence à paixão, mas à vontade; não pertence às trevas ou à noite,
mas ao dia e à luz. Se a união matrimonial se realiza a descoberto, fica
reduzida a um ato de fornicação. Não só quando a esposa recebe o sêmen
de outro homem, mas também quando abandona a sua alcova à vista [de
outros], comete um ato de fornicação.
8Só lhe é permitido mostrar-se ao
seu próprio pai, à sua mãe, ao amigo do esposo e aos filhos do esposo.
Estes podem entrar todos os dias na câmara nupcial. Os demais que se
contentem com o desejo, ainda que apenas seja o de escutar sua voz e de
gozar de seu perfume e de alimentar-se dos restos que caem da mesa
como os cães. Esposos e esposas pertencem à câmara nupcial. Ninguém
poderá ver o esposo e a esposa, a não ser que [ele mesmo] venha a sê-lo.
9Quando a Abraão [foi dado] ver o que teve de ver, circuncidou a
carne do prepúcio, ensinando-nos [com isso] que é necessário destruir a
carne [...] do mundo. Enquanto suas [paixões estão escondidas], persistem
e continuam vivendo, [mas se saem à luz] perecem, [a exemplo] do
homem visível. [Enquanto] as entranhas do homem estão escondidas, o
homem está vivo; se as entranhas aparecem e saem dele, o homem
morrerá.
10O mesmo ocorre com a árvore: enquanto sua raiz está oculta,
deita brotos e [se desenvolve], mas, quando sua raiz se deixa ver, a árvore
seca. Acontece o mesmo com qualquer coisa que tenha chegado a ser
[neste] mundo, não só de forma manifesta como também oculta: enquanto
a raiz do mal está oculta, este se mantém for-te; assim que se revela se
desintegra e — logo que se manifestou-se desvanece. Por isso diz o
Logos: "Já está posta a acha na raiz da árvore".
11Esta não podará, [pois] o
que se poda brota de novo, mas cavará até o fundo, até arrancar a raiz.
Mas Jesus arrancou de todo a raiz de todos os lugares, enquanto que
outros [o fizeram unicamente] em parte. No que se refere a nós, todos e
cada um devemos socavar a raiz do mal que está em cada qual e arrancála inteiramente do coração.
Capítulo 13
1Erradicamos [o mal] quando o conhecemos,
mas, se não nos dermos conta dele, deita raízes em nós e produz seus
frutos em nosso coração; assenhoreia e sede nós e faz-nos seus escravos;
tem-nos presos em suas garras para que façamos aquilo que [não]
queremos e [omitamos] aquilo que queremos; é poderoso porque não o
reconhecemos e enquanto [está ali] continua agindo. A ignorância [é sua
mãe [...]; a ignorância [está ao serviço de [...]; o que provém [dela] nem
existe, nem [existe], nem existirá.
2[Mas aqueles que vêm da verdade]
alcançarão sua perfeição quando toda a verdade se manifestar. A verdade
é como a ignorância: se está escondida, descansa em si mesma; mas se se
manifesta e é reconhecida, será objeto de louvor porque é mais forte do
que a ignorância e do que o erro.
3Ela dá a liberdade. Já disse o Logos: "Se
reconhecerdes a verdade, a verdade vos fará livres." A ignorância é
escravidão, o conhecimento é liberdade. Se reconhecermos a verdade
encontraremos os frutos da verdade em nós mesmos; se nos unirmos a ela,
nos trará a plenitude.
4Agora estamos de posse do que é manifesto dentro da criação e
dizemos: "Isto é o só-lido e o cobiçável, enquanto que o oculto é débil e
digno de desprezo". Assim ocorre com o elemento manifesto da verdade,
que é débil e desprezível, ao passo que o oculto é o sólido e digno de
apreço. Manifestos são os mistérios da verdade à maneira de modelos e
imagens, ao passo que o quarto nupcial — que é o Santo dentro do Santo
— mantém-se oculto.
5O véu ocultava no princípio a maneira como Deus governava a
criação; mas quando se rasgar e aparecer o interior, esta casa ficará
deserta, ou melhor, será destruída. Mas a divindade, em seu conjunto, não
abandonará estes lugares [para ir-se] ao Santo dos Santos, pois não poderá
unir-se com a [luz acrisolada] nem com a Pleroma sem [mácula]. Ela se
[refugiará] melhor sob as asas da cruz e [sob seus] braços. A arca [lhes]
servirá de salvação quando o dilúvio de água irromper sobre eles.
6Os que
pertencerem à linhagem sacerdotal poderão penetrar na parte interior do
véu com o Sumo Sacerdote. Por isso rasgou — se aquele não só pela parte
superior, pois [senão] só se haveria aberto para os que estavam acima;
nem tampouco se rasgou unicamente pela parte inferior, porque [senão]
apenas se haveria mostrado aos que estavam abaixo. Mas rasgou-se de
alto a baixo.
7As coisas de cima nos ficaram visíveis a nós que estamos
embaixo, para que possamos penetrar no recôndito da verdade. Isso é
realmente o apreciável, o sólido. Mas nós havemos de entrar ali através de
debilidades e de símbolos desprezíveis, pois não têm valor algum diante
da glória perfeita. Há uma glória acima da glória e um poder acima do
poder.
8Por isso nos foi dado patentear o perfeito e o segredo da verdade. E
o Santo dos Santos se [nos] manifestou e a câmara nupcial nos convidou a
entrar.
Enquanto isto permanece oculto, a maldade está neutralizada, se bem
que não tenha sido expulsa da semente do Espírito Santo, [pelo que] eles
continuam sendo escravos da maldade.
9Mas quando isto se manifestar,
então se derramará a luz perfeita sobre todos os que se encontrarem nela e
[receberão] a unção. Então ficarão livres os escravos e os cativos serão
redimidos.
126 [Toda] planta que [não] haja sido plantada por meu Pai que está nos
céus [será] arrancada. Os separados serão unidos [e] cumulados. Todos os
que [entrarem] na câmara nupcial irradiarão [luz], pois eles [não]
engendram como os matrimônios que [...] atuam na noite. O fogo [brilha]
na noite e se apaga, mas os mistérios destas bodas se desenvolvem de dia
e [em plena] luz. Este dia e seu fulgor não têm ocaso.
10Se alguém se faz filho da câmara nupcial, receberá a luz. Quem não
a recebe enquanto se encontra nestas paragens, tampouco a receberá em
outro lugar. Quem recebe essa luz não poderá ser visto nem detido, e
ninguém poderá molestá-lo enquanto viver neste mundo o mesmo quando
11houver saído dele, [pois] já terá recebido a verdade em imagens. O mundo
se converteu em éon, pois o éon é para ele plenitude, o é desta forma:
manifestando-se a ele exclusivamente, não oculto nas trevas e na noite,
mas oculto em um dia perfeito e em uma luz santa.
FIM